De Stephen Reckert

  • Categoria do post:Testemunhos

1359672815_557463_1359673154_noticia_normal

Grande amigo de Jorge de Sena, incumbiu-se o lusitanista Stephen Reckert de lhe escrever o necrológio para The Times. Marcando o 35º ano de falecimento do escritor, cumprido em 4 de junho de 2013, aqui o transcrevemos (a partir dos Estudos sobre Jorge de Sena, org. Eugénio Lisboa,IN-CM, 1984, p. 490-1).

Norte-americano de nascimento, o Prof. Reckert cursou universidades inglesas e nelas prioritariamente desenvolveu sua profícua atuação acadêmica, vindo a ser titular da Cátedra Camões da Univ. de Londres de 1967 a 1982, quando se jubilou. Renomado estudioso de Gil Vicente, alargou a outros séculos e autores seu olhar crítico, ensejando convites como Pesquisador e Professor Visitante em várias universidades européias, inclusive as portuguesas. Falecido em janeiro de 2013, legou-nos importantes livros e ensaios sobre temas medievais, renascentistas e oitocentistas.

 

JORGE DE SENA

 

A morte de Jorge de Sena, aos 58 anos, priva Portugal do seu mais destacado académico e de um dos melhores poetas modernos. Sena era uma figura de dimensões invulgares: e era-o inconfortavelmente para o «establishment» cultural do seu país, que só lentamente foi reconhecendo a sua estatura, mesmo depois da revolução. A Ordem de Henrique o Navegador e a Grã-Cruz de Santiago no leito de morte ajudaram a corrigir a desatenção inicial, mas a candidatura ao Nobel, lançada imediatamente antes de a doença o atingir, teve a sua origem em Londres, no King’s College, que visitara anualmente nos últimos dez anos. Veio pela última vez à Europa em 1977 para receber o prémio de poesia Etna-Taormina.

Mesmo ocupando simultaneamente duas cátedras na Califórnia, nunca se ajustou à imagem convencional do dirigente académico, e o seu maior êxito erudito foi revelar Camões não como um respeitável monumento nacional, mas como um dos poetas europeus mais complexos e subversivos. Ele próprio um formidável touro no armazém de louça sufocante que foi Portugal durante a maior parte da sua vida, escreveu alguma da poesia de amor mais ultrajantemente explícita da sua língua («não, não pornográfica», explica pacientemente ao censor, «simplesmente obscena»); um punhado de novelas e de contos terão também lugar duradouro na literatura de língua portuguesa. Como engenheiro, Sena fez parte, antes do seu exílio para o Brasil, em 1959, da equipa que planeou a grande ponte sobre o Tejo, em Lisboa.

A força serena de sua mulher e seu suporte intelectual, durante 30 anos, Mécia, amparou-o na sua doença final, contra a qual lutou com a mesma raiva lucidamente sardónica que sempre desferira contra outras indignidades: hipocrisia, estreiteza de vistas, injustiça. Para ela e para os seus nove filhos vão o amor e simpatia dos amigos de quatro continentes para quem uma luz se apagou.

 

(in The Times, 13 de Junho de 1978.)