Jorge de Sena, leitor de Faria e Sousa

Lançado no início de julho, o volume A crítica de Jorge de Sena, fruto do Colóquio homônimo para comemorar o centenário de nascimento do autor e organizado por Joana Matos Frias e Joana Meirim, é um importante contributo para o estudo da ensaística seniana. Neste artigo, presente no livro, Isabel Almeida analisa a relação entre Sena e Faria e Sousa, considerado o primeiro crítico e comentador da obra camoniana. Aderindo às celebrações dos 450 anos de Os Lusíadas, trazemos esse texto de grande interesse para a investigação da vertente camonista da obra de Jorge de Sena.

Isabel Almeida (FLUL/CEClássicos)[1]

Entendendo-se em sentido lato a palavra “crítica” e nela incluindo “pesquisa” e “produção de metatexto”, seria aqui impossível ignorar a relação que Sena estabeleceu com Camões. Trata-se de um vínculo duradouro, mantido público e fértil em trinta anos de amor e melancolia[2], desde a conferência apresentada no Clube Fenianos Portuenses, a 12 de Junho de 1948, até ao “Discurso” proferido na cidade da Guarda, a convite do Presidente da República de Portugal, nas cerimónias do 10 de Junho de 1977.[3]

Em 1948, “A Poesia de Camões. Ensaio de Revelação da Dialéctica Camoniana” mostrava um ainda jovem Sena, avesso a datas solenes (ou pelo menos àquelas de que não fosse o instituidor[4]); decidido a avançar contra Joaquim de Carvalho[5] e a furtar-se à sombra de figuras como António Sérgio ou José Régio[6]; pronto a assumir, com erótico despudor e audácia de pioneiro, o “dever” de, “cumprindo o que a poesia de Camões aguarda há séculos”, “perder-lhe o medo (ou ganhar-lhe…), e penetrá-la”[7]:

Compreendeis agora a razão de Camões, sendo tão profundamente subjectivo, nos falar em voz tão estranhamente alheia, alheada. Um poeta que tudo incluiu em si próprio para, daquela região da personalidade onde a personalidade se anula perante o que Hegel chamará o espírito objectivo, extrair a própria génese dessa consciência final.

O Sena de 1977 faria da simbólica celebração em que, por fim, participava com honras de protagonista, uma suprema oportunidade para – fiel às suas primeiras convicções – se identificar, comovido, com “o maior escritor da nossa língua”:[8]

Tudo existe na sua obra: o orgulho e a indignação, a tristeza e a alegria prodigiosa, a amargura e o gosto de brincar, o desejo de ser-se um puro espírito de tudo isento e a sensualidade mais desbragada, uma fé inteiramente pessoal, pensada e meditada, como ele a queria e não como uma instituição, e a dúvida do predestinado que se sente todavia só e abandonado a si mesmo. Leiam-no e amem-no: na sua epopeia, nas suas líricas, no seu teatro tão importante, nas suas cartas tão descaradamente divertidas.[9]

Decerto, o interesse por Camões –  naturalmente fundo e de sempre[10] – terá valido como busca de um tesouro, ou mesmo, já pela “absorção” que implicava[11], já pelo encantamento que oferecia, como acesso a um paraíso. Esta longa demanda, porém, nunca o intelectual, o investigador, o scholar Sena a conduziria de modo pacífico. Pelo contrário, agiu como quem por aí se afirma e conquista lugar em território que crê defeso ou minado: constante é o ataque ao Establishment[12], a réplica antecipada, a veemência assertiva com que tenta blindar, também com números e estatísticas, as teses propostas, afoito e orgulhoso pela diferença ou a novidade alcançadas, feliz quando se imagina capaz de desencadear a “catástrofe” junto do que, entre diversos e não brandos termos, apelida de “oficialidade”.[13]

Sabemo-lo bem. No que Jorge de Sena escreveu – poesia, ficção, ensaio –, a fúria magoada é um traço comum (Maria Gabriela Llansol advertiu: “[h]avia nele uma bala, ou estilhaço, provinda de outros combates […,] que nunca ninguém conseguira extrair-lhe.”[14]). Na crítica, porém, agudiza-se amiúde esse ethos de lutador terribil e ferido, agitado pela desconfiança, o desdém e o ressentimento. José Régio não deixaria de sugerir “um conselho”: “Não seja violento com os seus antecessores no estudo de Camões, Você só lucra em refrear um pouco essa sua natureza agressiva. Bem vê, a cultura é feita de recíprocas e nunca terminadas correcções.”[15] Sena, inabalável na sua “verdade”[16], apressou-se a rejeitar o alvitre. Por isso, em face do que nele ressalta nítido como um timbre, um texto se distingue, singular: o prefácio ao fac-simile de Lusiadas […] Comentadas por Manuel de Faria i Sousa.

Convém situá-lo. Até aí (1971-1972), o contacto de Jorge de Sena com o opus magnum de Faria e Sousa fora episódico e a consulta, sem dúvida, pontual[17]. Prefaciá-lo constituiu, pois, um estupendo desafio. Além do mais, o texto integraria uma edição com a chancela da Imprensa Nacional-Casa da Moeda, no âmbito das comemorações do IV centenário da publicação d’Os Lusíadas; seu par havia de ser (esperava-se) o intróito que, para as Rimas Varias […] Commentadas, ficara a cargo de Rebelo Gonçalves, professor catedrático da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Sena terá recebido a encomenda em Agosto de 1971[18]; a 22 de Outubro de 1972 dava por finda a tarefa[19]. É nestas circunstâncias que o vemos adoptar, no seu trabalho, uma atitude defensiva. Raro, porventura único, o caso justifica observação atenta.

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Manuel de Faria e Sousa (nascido em Pombeiro, no Minho, em 1590; falecido em Madrid, em 1649) foi o maior comentador de Camões: o mais exuberante e apaixonado; o mais abrangente (nos seus planos, agregava, além da “declaração” d’Os Lusíadas e da lírica, a das cartas e a do teatro[20]); o mais afoito (superou a tradição da nota topológica, ensaiando hipóteses de compreensão macrotextual); um dos mais eruditos, exímio quer a evocar os clássicos antigos quer a conjugar leituras modernas de autores portugueses, hispânicos, italianos – ou, excepcionalmente, franceses.

            Jorge de Sena, que lhe aplaudiu as qualidades e enfatizou que “toda a gente lhe deve, sem o saber, praticamente tudo”[21], não podia esquecê-lo, muito menos menosprezá-lo. Se, no começo do século XX, Carolina Michaëlis de Vasconcelos, com a sua autoridade de filóloga e a sua aura de rigor germânico, secundara Wilhelm Storck na reprovação de Faria e Sousa; se essa reprovação persistia no labor de camonistas como Álvaro Júlio da Costa Pimpão[22], cujos métodos e resultados Sena questionava, nos anos 60 ganhou forma um processo de reabilitação. Nele se envolvera Edward Glaser[23] e para ele contribuiu Jorge de Sena, não apenas ao eleger Faria e Sousa como referência e ao alardear a determinação de o proteger de desrespeitos[24], mas sobretudo ao desejar muito pessoanamente ser – como Ruy Belo percebeu e Joana Meirim demonstrou[25] – um supra-Faria e Sousa.

Repare-se no commiato da tese de doutoramento e de livre docência, concebida no Brasil. Acenando a um messias futuro, é o seu próprio retrato que, sem disfarce, Sena desenha:[26]

Camões, no nosso tempo, aguarda ainda o seu Faria e Sousa que possa, com modernos e seguros critérios que este extraordinário crítico não tinha, nem podia ter, tentar algo de semelhante à monumentalidade dos comentários dessa tão lídima e tão denegrida glória da crítica portuguesa – mas tentá-lo sobre autorias e textos tão estabelecidos quanto humanamente é possível na confusão em que, parece, o destino se obstina em deixar as obras dos grandes poetas do Mundo.[27]

Repare-se ainda como na mesma época (1964), ao organizar um volume de ensaios (embrião dos póstumos Trinta Anos de Camões), Sena o dedicava à memória de amigos, editores, imitadores, biógrafos e comentadores do poeta, usando uma fórmula engenhosamente ambígua na menção de Faria e Sousa: “o primeiro e até hoje [grifo meu] o maior dos críticos camonianos, apesar de todos os seus pecados de admirador e devoto do escritor máximo da língua portuguesa.”[28]

            Mais do que um sinal de rebelde dissonância (que o era), o apreço manifestado espelhava uma verdade: Faria e Sousa – o Faria e Sousa das Rimas Varias […] Commentadas – tornara-se necessário a Jorge de Sena, que, aplicado a singrar na carreira de homem de Letras, promovia a consciência dos problemas suscitados pela instabilidade, quer do texto camoniano quer de qualquer corpus a que andasse associado esse adjectivo.

Como fixar o texto do poeta, quando tantas variantes o afectam? Como definir um corpus fidedigno, quando, em testemunhos dos séculos XVI e XVII, a identificação autoral se descobre tão precária? Enfrentando essa instabilidade nas suas dissertações académicas, destemido a interrogar, como quem ara o velho campo para nele abrir limpo caminho (qual a validade de uma leitura construída sobre um objecto deturpado?), Sena fortalecia a sua posição, alicerçada num cruzamento interdisciplinar: a crítica não dispensava a filologia, que não dispensava a linguística, que não dispensava a história, que não dispensava a filosofia… Analisar a intricada “diástole” da lírica camoniana[29], nomeadamente dos sonetos, das canções e das odes; cotejar lições do texto; sondar meandros da sua transmissão, explorando impressos e manuscritos; destrinçar apógrafos e apócrifos, tudo isso fazia de Jorge de Sena, implacável na denúncia de pseudo-certezas[30], o detentor de informação que não era apenas relevante para o conhecimento de Camões. O horizonte alargava-se, resgatava-se património, o poeta emergia como parte de um mundo mais povoado e mais rico; a história da literatura clamava por revisão.

Elementos teóricos, sobretudo os que vinham da literatura comparada e da periodologia, influíram nesta curiosidade, iluminando-a[31]. Jorge de Sena nunca escondeu o seu empenho em inserir num mapa vasto (salientando o eixo Espanha-Itália) o que era português, como nunca ocultou o fascínio pela dialéctica que articula passado e presente[32], em mútuo benefício. E é indesmentível que não seria o mesmo, o seu olhar sobre a mundividência de Camões e contemporâneos, se o não estimulasse, v.g., a europeia categoria de Maneirismo; nem seria idêntica, sem tal orientação e sem o exercício comparatista a que obriga, a sua sensibilidade ao discurso poético de meados de Quinhentos – discurso denso, que de outros se alimenta, em discreta tensão ou em audível diálogo.[33] Em toda esta campanha, o préstimo de Faria e Sousa avultava. Por um lado, como editor, ao explicitar muitas das suas escolhas, fornecia notícias acerca dos materiais compulsados (registava variantes, dava conta de flutuações no concernente à atribuição de autoria). Sena agraciou-o com o título de “honesto”[34], que era o mesmo que arrasar nas entrelinhas a opinião dos que o rotulavam de falsário. Por outro lado, o comentador, ciente da poética de imitação e membro da respublica litterarum, não se contentava com indicar ligações camonianas a prováveis modelos e a directos herdeiros: expunha, outrossim, uma malha rizomática de laços com um complexo universo cultural. E também por isso Sena o encareceu, convicto de que com Faria e Sousa se aprende a admirar o génio e – acima das fronteiras políticas e além das distâncias cronológicas – a ver a uma escala que é a do sistema literário em funcionamento.

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Escapam-nos as condições exactas em que foram compostos os prefácios à obra de Manuel de Faria e Sousa. Um ponto é incontroverso: depois de terminar a “Introdução” de Lusiadas […] Comentadas, Sena redigiu a das Rimas Varias, substituindo Rebelo Gonçalves, impedido por doença. O primeiro prefácio, “imenso”[35], estende-se por 47 páginas; o segundo, cabe em 10.     

Familiarizado com as Rimas Varias e com pristinas edições camonianas, Sena parece não ter tido dificuldade em investir na sua apresentação um conhecimento já consolidado, inserindo o trabalho de Faria e Sousa numa história das metamorfoses do corpus da lírica. Demais, promete perseverar na sua investigação, cita Rebelo Gonçalves para vincar uníssonos cuidados[36], e, com desembaraço, dispara acusações às “filologias que por aí subsistem”[37], convertendo Faria e Sousa numa autêntica estátua do comendador, a cuja vendetta nenhum Don Juan logra furtar-se:

Não creio que o público e mesmo parte da crítica se debruce sobre eles (os “monumentos” de Faria e Sousa) como merecem e a ciência camoniana requer. Mas, daqui por diante, ao menos, a sombra de Faria e Sousa estará, como espectro inamovível, debruçado sobre os ombros dela, de cada vez que escreva um formoso ensaio sobre textos não fixados ou autorias incertas, ou de cada vez que se atreva a afirmar que Camões é um caso arrumado, de que não vale a pena que a cultura contemporânea se ocupe.[38

Diferente é o tom cultivado a propósito de Lusiadas […] Comentadas. Embora sem emudecer por completo a sua veia cáustica; embora sem prescindir de se identificar com Faria e Sousa, em hábeis colagens, Sena modera-se, abstendo-se das óbvias catilinárias em que se compraz e às quais, de resto, logo regressa no prefácio às Rimas Varias. Ora, a esta auto-disciplina ou vigilância, soma-se no desenvolvimento do texto uma outra forma de contenção, tanto mais surpreendente quanto paradoxal. De facto, acerca de Lusiadas […] Comentadas, Jorge de Sena acaba por se mostrar, em simultâneo, cauto e retraído, excessivo e transbordante.  

A reedição deste prólogo em Trinta Anos de Camões (um livro de 21,5 cm x 13,5 cm, no qual, para cada artigo, só há notas finais) esbate o impacto que provoca a sua edição primeira, nos grandes volumes da Imprensa Nacional-Casa da Moeda, onde a mancha gráfica impressiona, ou pela prosa torrencial, ou pela presença de desmesuradas, invasivas notas de rodapé. Seja como for, no edifício erguido não custa captar uma sequência de tópicos estruturantes: 1, pp. 9-17, a figura do hispanizado[39]; 2, pp. 17-26, família e vida de Faria e Sousa; 3, pp. 26-41, “biografia literária”; 4, pp. 41-53, “o significado e os méritos” de Lusiadas  […] Comentadas; 5, pp. 53-56, “uma ideia de conjunto do método crítico” do comentador. Em abstracto, esquematicamente, o sentido desta arquitectura é claro:  do geral para o particular, do quadro envolvente para a obra em si. O que é estranho é o modo de a concretizar: Sena reduz com táctica prudência o espaço reservado ao que se suporia principal; e a pirotecnia vertiginosa com que exibe a bagagem erudita – canalizando provocatoriamente para as notas de rodapé muita matéria seminal e substancial –, ganha um sabor suspeito de dissimulação.

Quem ler o prefácio na expectativa de aí encontrar uma apresentação de Lusiadas  […]  Comentadas por Manuel de Faria i Sousa, sentirá que o texto cresce ora num movimento de deriva (se não de desvio ou fuga) que o afasta do seu centro[40], ora numa proximidade parafrástica do que é apenas um limiar. Como se se esquivasse a aventuras; como se quisesse evitar riscos, Jorge de Sena prefere permanecer na margem ou no pórtico da obra: por um lado, hipertrofia quer a sua contextualização quer a biografia do autor; por outro, ao entrar no “significado” e nos “méritos” da empresa de Faria e Sousa, o que Sena faz é proceder à descrição e ao resumo, item após item, do que o próprio comentador anuncia, como programa, em paratextos.

Ao quedar-se na órbita de Lusiadas  […] Comentadas, sem poisar sobre a obra inteira os seus olhos, Jorge de Sena chega a confinar em frases breves o tratamento de questões que não será errado julgar dignas de destaque. Por exemplo, demora-se menos a recordar que ali existe informação única acerca da génese e da recepção do poema (e di-lo apoiado somente no que reza o “fim do último tomo”[41]) do que a tecer elucubrações aritmosóficas:

Camões publicou Os Lusíadas em 1572, quando se cumpria o centenário da primeira publicação impressa (1472) da Divina Comédia. Se a estes dois anos especiais somarmos 1372[42], teremos 4416, que, dividido por 8 (outro número especialíssimo) dá 552, ou seja o número de ordem da 1ª estrofe da 2ª metade do número de estrofes do poema, 1102. Do que poderia concluir-se que, segundo as aritmosofias de Camões, o seu poema tinha de ser publicado em 1572.[43]

            “Mas desde quando é tradição em Portugal, ou em Portugal se exige, que um prefaciador tenha lido a obra que prefacia? Pelo que as circunstâncias até nisto nos fizeram obedecer às mais lídimas tradições da cultura portuguesa.”[44] Estas são palavras datadas de 1 de Outubro de 1972, escritas para a edição d’ As Quybyrycas. Importa lembrá-las. Entre o intróito de Lusiadas […] Comentadas e o do “poema éthyco” assinado por Frey Ioannes Garabatus (aliás, António Quadros), há afinidades que dão que pensar.

            A paródia engendrada por Sena, ao prefaciar As Quybyrycas, não incide apenas num padrão da “oficialidade” para a qual aponta, no seu delírio burlesco, o carnaval onomástico ali inventado[45]. Jorge de Sena parodia-se, nas descomunais notas de pé de página, na obsessão genealógica, até nas aritmosofias lançadas como susto aos “críticos do inefável”[46]. É de crer que o duplo papel de camonólogo e quibirólogo o divertisse. Mas toda a contrafacção assenta numa distância lúcida relativamente ao seu alvo, e esta contrafacção, em particular, sugere algum incómodo – quiça, uma secreta insegurança – por quanto nesse alvo haveria, afinal, de vulnerável. Sintomática, a exortação endereçada a Sophia de Mello Breyner Andresen, em 22 de Dezembro de 1972: “não percas a sátira à doutorice e até a mim mesmo que fiz do prefácio totalmente inventado, e com nomes de caricatura, para as Quibíricas do João Grabato Dias.”[47]

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Na “Introdução” a Lusiadas […] Comentadas, sem ter lido a Fortuna de Faria e Sousa – aquela autobiografia “más para ver que para imprimir”[48] –, Sena fez dela esta síntese certeira: “um ácido comentário à sua própria vida e às suas frustrações de pequeno aristocrata em busca de emprego seguro, e de ilustre homem de letras em busca de uma glória literária”[49].

A aliança da perspicácia, da inteligência e da intuição dá frutos espantosos, mas todo o crítico precisa de ver para desempenhar o seu ofício. Quando, sem bases seguras, Sena imagina uma “pandilha” de “Manuéis Pires” em conluio contra Camões e contra Manuel de Faria e Sousa[50]; quando não resiste a imaginar uma “polémica” acesa em torno de Lusiadas […] Comentadas, precipita-se numa especulação vã. De facto, nem Pires de Almeida redigiu, em 1638, um “Exame das opiniões de Faria e Sousa”[51], nem em defesa deste saíram João Soares de Brito e João Franco Barreto[52]. O engano nasce de um humaníssimo erro (mera troca de letras), e só cresce, em ilusória firmeza, porque sobra paixão onde terão faltado meios, tempo e paciência de verificar informações e argumentos.[53]

Perguntar-se-á: para quê esgaravatar, agora, estas minudências? Na verdade, não são despiciendas. O encontro com Lusiadas […] Comentadas terá sido, para Jorge de Sena, uma prova árdua, por tudo quanto aceitar o repto da Imprensa Nacional-Casa da Moeda havia de significar. Mais do que um intróito a obra alheia, ou mais do que um estudo camoniano, o trabalho realizado adquire especial eloquência pelas contradições e os extremos que o marcam. Entre o que é patenteado e o que é ocultado, entre o que se mantém válido (e é muito e notabilíssimo) e o que caducou, percebe-se a força e os limites da crítica de Sena, percebendo-se também o que em todo o acto crítico se joga: a construção de uma leitura, sujeita à sua circunstância; o desejo de persuasão de um público; a moldagem de um carácter.[54]

Referências Bibliográficas

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Sousa, Manuel de Faria e, Rimas Várias de Luís de Camões Comentadas por […]. Reprodução fac-similada da edição de 1685, 2 vols., Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1972


1 Felicito Joana Meirim e Joana Frias e a ambas agradeço a oportunidade de participar nesta reflexão sobre A crítica de Jorge de Sena.

2 Ver Vítor Manuel de Aguiar e Silva, Jorge de Sena. Trinta Anos de Amor e Melancolia, Coimbra, Angelus Novus, 2009. O quadro traçado por Jorge Fazenda Lourenço, em “Lendo Jorge de Sena leitor de Fernando Pessoa” (Pessoa Plural, n.º 2, 2012, pp. 111-114), evidencia o rumo camoniano que Sena imprimiu aos seus estudos.

3 Ver Jorge de Sena, Carlo Vittorio Cattaneo, Correspondência, 1969-1978. Ed.: Mécia de Sena, Jorge Fazenda Lourenço, Joana Meirim, Lisboa, Guimarães/Babel, 2013, Lisboa, pp. 507-508, 537-538, 558 (cartas de 19 de Julho e 7 de Dezembro de 1977, bem como de 19 de Abril de 1978).

4 A concluir o texto, Sena relembra o que nele foi seu propósito, e admite: “Se o consegui, se por momentos foi a esse poeta que contemplaste, ao nosso maior poeta, a um dos maiores do mundo, sentir-me-ei feliz. E concordarei até com… um dia de Camões.” (Jorge de Sena “A poesia de Camões. Ensaio de revelação da dialéctica camoniana”, in Da Poesia Portuguesa, Lisboa, Ática, 1959, p. 64). Luís Maffei, na Universidade Federal Fluminense (Niterói), tem vindo a dar forma a esta ideia.

5 Ver Vítor Manuel de Aguiar e Silva, Jorge de Sena. Trinta Anos de Amor e Melancolia, Coimbra, Angelus Novus, 2009, pp. 17-18.

6 Recorde-se, de António Sérgio, a “Questão prévia dum ignorante aos prefaciadores da lírica de Camões” (Ensaios, IV, 1.ª ed.: 1934); de José Régio, a introdução d’As Melhores Páginas da Literatura Portuguesa. Luís de Camões (Lisboa, 1944).

7 Jorge de Sena “A poesia de Camões. Ensaio de revelação da dialéctica camoniana”, in Da Poesia Portuguesa, Lisboa, Ática, 1959, p. 32. São palavras do intróito acrescentado em 1951, nos Cadernos de Poesia, onde pela primeira vez o texto foi editado.

8 Jorge de Sena, “Discurso da Guarda”, in Trinta Anos de Camões. 1948-1978 (Estudos Camonianos e Correlatos), vol. II, Lisboa, Edições 70, 1980, p. 253.

9 Ibidem, p. 262.

10 Jorge de Sena “A poesia de Camões. Ensaio de revelação da dialéctica camoniana”, in Da Poesia Portuguesa, Lisboa, Ática, 1959, p. 31. “Desde sempre, como é natural, me interessou o estudo da poesia camoniana.” – assim começa o intróito.

11 Em carta de 1963, dirigida a João Sarmento Pimentel, Sena dizia: “Nada sei das nossas políticas: e creio que o trabalho do Camões me curará, por absorção, para sempre, da politicagem…” (Jorge de Sena/João Sarmento Pimentel, Correspondência. 1959-1978. Organização e apresentação: Isabel de Sena e Rui Moreira Leite, Lisboa, Guerra & Paz, 2020, p. 171).

12 “E é evidente que se pode ser um estudioso dessa literatura, sem mergulhar em áreas tão explosivas como a dos estudos camonianos, onde uma pessoa arrisca a sua reputação, ou se arrisca a não criar reputação nenhuma, visto que terá de ir contra autoridades estabelecidas, ideias arreigadas, interesses políticos e até comerciais. Camões é, mais do que qualquer outro escritor português, um Establishment em que a pessoa pode ser admitida, se for cautelosa, reticente, humilde, e respeitosa do que tem sido dito e feito: as qualidades de todo o estudioso decente, mas aqui exigidas para pôr o sujeito no seu lugar que é o de não pôr em causa coisa alguma, e não estragar o negócio de ninguém.”, in Jorge de Sena, “Camões revisitado”, in Trinta Anos de Camões. 1948-1978 (Estudos Camonianos e Correlatos), vol. II, Lisboa, Edições 70, 1980, pp. 246-247.

13 Ver dedicatória, a Ruy Belo, de Os Sonetos de Camões e o Soneto Petrarquista: “2º livro camoniano, menos longo mas não menos catastrófico para a oficialidade” (ap. Ruy Belo, “Camões e o seu crítico – Jorge de Sena”, Ocidente, vol. LXXVII, n.º 380, Dezembro de 1969, p. 265).

14 Maria Gabriela Llansol, Um Falcão no Punho. Diário 1, Lisboa, Edições Rolim, 1985, p. 128. Recorde-se igualmente “A Amarga-Fúria. Na Não-Morte de Jorge de Sena”, de Eduardo Lourenço (Requiem para Alguns Vivos. Obras Completas, vol. VIII, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2020, pp. 155-158).

15 Jorge de Sena/José Régio, Correspondência. Organização e notas de Mécia de Sena, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1986, p. 184 (carta de 21 de Junho de 1964).

16 Ibidem, p. 188 (carta de 6 de Julho de 1964).

17 Veja-se o capítulo que, a propósito de Inês de Castro, é dedicado a Faria e Sousa nos Estudos de História e Cultura. 2º volume. Suplemento da revista Ocidente, vol. LXXV, n.ºs 364 e 367, 1968, pp. 215-227.

18 Mécia de Sena, em carta enviada de Santa Barbara, com data de 31 de Julho de 1971, dava conta a Jorge de Sena (então em Lisboa) da chegada do convite. Ver Maria Otília Pereira Lage, Mécia de Sena e a Escrita Epistolar com Jorge de Sena: Para a História da Cultura Portuguesa Contemporânea, Porto, CITCEM/Ed. Afrontamento, 2015, p. 145.

19 Em 29 de Outubro de 1972, em carta a João Sarmento Pimentel, Sena já se refere ao texto como terminado e prestes a vir a lume: “entretanto sairá a edição Faria e Sousa de Os Lusíadas, reproduzida pela Imprensa Nacional e com um imenso prefácio meu” (Ibidem, p. 354).

20 Deste projecto editorial, só Lusiadas […] Comentadas (1639) saíram em vida do autor. Póstuma (1685) foi a impressão das Rimas Varias. Inéditos ficaram – entre outros – os comentários sobre a poesia de arte menor e sobre as cartas (parte da colecção camoniana de D. Manuel II, guardada em Vila Viçosa – BDMII, Ms LXXXIV).

21 Jorge de Sena, “Camões revisitado”, in Trinta Anos de Camões. 1948-1978 (Estudos Camonianos e Correlatos), vol. II, Lisboa, Edições 70, 1980, p. 247.

22 Veja-se, como exemplo de difusão da imagem negativa de Faria e Sousa, o artigo de Cruz Malpique, “A ressonância dos «Lusíadas» durante o domínio filipino”, Ocidente, vol. LXXXIV, n.º 420, Abril de 1973, pp. 251-270 (maxime, pp. 266-267).

23 Ver Edward Glaser, “Manuel de Faria e Sousa and the mythology of Os Lusíadas”, in Portuguese Studies. Paris, Fundação Calouste Gulbenkian/Centro Cultural Português, 1976, pp. 135-157 (inicialmente publicado na Miscelânea de Estudos a Joaquim de Carvalho, n.º 6, 1961, pp. 614-627).

24 Nos Estudos de História e Cultura. 2.º volume (Ocidente, vol. LXXVII, n.ºs 377-378, Setembro-Outubro de 1969, Sena fechava o capítulo dedicado a “O Cancioneiro de Manuel de Faria (e Sousa)” com um aviso peremptório: “Que Glaser, a quem a cultura portuguesa muito deve, nos perdoe estas às vezes severas, mas necessárias observações; mas o tempo de os hispanistas desrespeitarem Faria e Sousa com a conivência portuguesa acabou.” (p. 350).

25 Joana Meirim, Literatura e Posteridade. Jorge de Sena e Alexandre O’Neill. Disertação de Doutoramento em Estudos da Literatura e da Cultura/Teoria da Literatura, apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2014, pp. 74-75.

26 Numa recensão de Os Sonetos de Camões e o Soneto Peninsular, Ruy Belo escrevia: “Queixa-se a cada passo da falta de edições críticas. Volta, tal como em Uma Canção de Camões, a exaltar Faria e Sousa: “«Camões, no nosso tempo, aguarda ainda o seu Faria e Sousa – aguardará mesmo, Jorge de Sena? – que possa, com modernos e seguros critérios que este extraordinário crítico não tinha, nem podia ter, tentar algo de semelhante à monumentalidade dos comentários dessa tão lídima e tão denegrida glória da crítica portuguesa».” (Ruy Belo, “Camões e o seu crítico – Jorge de Sena”, Ocidente, vol. LXXVII, n.º 380, Dezembro de 1969, pp. 266-267).

27 Jorge de Sena, Os Sonetos de Camões e o Soneto Quinhentista Peninsular, 2.ª ed., Lisboa, Edições 70, 1980, p. 235.

28 Jorge de Sena, Trinta Anos de Camões. 1948-1978 (Estudos Camonianos e Correlatos), vol. I, Lisboa, Edições 70, 1980, p. 11.

29 Ver Vítor Manuel de Aguiar e Silva, “O Cânone da Lírica de Camões: estado actual do problema; perspectivas de investigação futura”, in Camões: Labirintos e Fascínios, Lisboa, Cotovia, 1994, p. 39.

30 Recorde-se, por exemplo, a recensão “O Camões da Aguilar”, uma tunda nos “bonzos universitários” e em Salgado Júnior, reduzido, na sua pele de editor, à pequenez de um queirosiano e caricatural Pacheco (Jorge de Sena, “O Camões da Aguilar”, in Trinta Anos de Camões. 1948-1978 (Estudos Camonianos e Correlatos), vol. II, Lisboa, Edições 70, 1980, pp. 155-186).

31 Recorde-se o contributo de um autor como René Wellek, cujos argumentos, apresentados no Congresso da Associação Internacional de Literatura Comparada (Chapell Hill, EUA, 1958), Sena não recusaria subscrever. Wellek advogava a necessidade de conjugar “both national and international literature”, “both literary history and criticism” (ver Vítor Aguiar e Silva, “In memoriam: Claudio Guillén (1924-2007)”, in Colheita de Inverno. Ensaios de Teoria e de Crítica Literárias, Coimbra, Almedina, 2020, pp. 293-297).

32 Ver Jorge de Sena, “Introdução”, Maquiavel, Marx e outros Estudos, 2.ª ed., Lisboa, Cotovia, 1991, p. 16.

33 Jorge de Sena “Babel e Sião”, in Trinta Anos de Camões. 1948-1978 (Estudos Camonianos e Correlatos), vol. I, Lisboa, Edições 70, 1980, pp. 113-131.

34 Jorge de Sena, Uma canção de Camões, Lisboa, Edições 70, 1984, p. 64.

35 É assim que Sena qualifica o texto, em carta de 29 de Outubro de 1972 (Jorge de Sena/João Sarmento Pimentel, Correspondência. 1959-1978. Organização e apresentação: Isabel de Sena e Rui Moreira Leite, Lisboa, Guerra & Paz, 2020, p. 354).

36 É nas Rimas Várias que o nome de Jorge de Sena aparece na folha de rosto  (no fac-simile de Lusiadas […] Comentadas, tal não acontece), junto com o de Rebelo Gonçalves, responsável pela “Nota Introdutória”. Rebelo Gonçalves, que reivindica aí a primazia da ideia de reproduzir as Rimas Varias, não menciona Sena; Sena, a concluir o “Prefácio”, diz: “Paralelamente, tanto o Prof. Doutor Rebelo Gonçalves como eu havíamos pensado e proposto que, neste ano de 1972, uma edição das obras de camonologia de Faria e Sousa não devia ir sem a outra.” (Rimas Várias de Luís de Camões Comentadas por Manuel de Faria e Sousa. Reprodução fac-similada da edição de 1685, Primeira Parte. Tomos I e II, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1972, p. 20).

37 Ibidem, p. 20.

38 Ibidem, p. 20.

39 Os números de páginas indicados são os da edição da Imprensa Nacional-Casa da Moeda.

40 Joana Meirim, Literatura e Posteridade. Jorge de Sena e Alexandre O’Neill. Disertação de Doutoramento em Estudos da Literatura e da Cultura/Teoria da Literatura, apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2014, p. 77.

41 Jorge de Sena “Introdução”, in Lusiadas de Luís de Camões Comentadas por Manuel de Faria e Sousa, reprodução fac-similada pela edição de 1639, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1972, p. 52.

42 A data em que assenta estes cálculos é apenas a possível data da vinda, para Portugal, de um remoto antepassado de Camões: “São conhecidas as mercês diversas que o galego Vasco Pérez de Camões recebeu a partir de 1973 […], pelo que não é audacioso supor que ele viera para Portugal por 1372 – pelo que 1572 era o 2.º centenário da entrada dos Camões em Portugal, cujos destinos – o do País e o do poeta – confluíam objectivamente na epopeia.” (Jorge de Sena “Introdução”, in Lusiadas de Luís de Camões Comentadas por Manuel de Faria e Sousa, reprodução fac-similada pela edição de 1639, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1972, p. 52, n. 124).

43 Ibidem, p. 52.

44 Jorge de Sena, “Prefácio”, in Frey Ioannes Garabatus [António Quadros], As Quybyrycas, 2.ª ed., Porto, Edições Afrontamento, 1991, p. 36.

45 Lembremos alguns desses nomes: Carolina Michaëlis ganha uma homónima, Carolina Michaelis da Silva; Hernâni Cidade passa a Fernando Aldeia; Jacinto do Prado Coelho é Pilírio dos Reis Leitão do Prado; Charles Boxer converte-se em Charles Fighter…

46 Jorge de Sena, “Prefácio”, in Frey Ioannes Garabatus [António Quadros], As Quybyrycas, 2.ª ed., Porto, Edições Afrontamento, 1991, p. 20.

47 Sophia de Mello Breyner/Jorge de Sena, Correspondência. 1959-1978, 3.ª ed., Lisboa, Guerra & Paz, 2010, p. 140 (carta de 22 de Desembro de 1972).

48 Apud Jorge de Sena, “Introdução”, in Lusiadas de Luís de Camões Comentadas por Manuel de Faria e Sousa, reprodução fac-similada pela edição de 1639, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1972, p. 26.

49 Jorge de Sena, “Introdução”, in Lusiadas de Luís de Camões Comentadas por Manuel de Faria e Sousa, reprodução fac-similada pela edição de 1639, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1972, p. 26.

50 Ibidem, p. 34, nota 66.

51 Ibidem, p. 34, nota 66.

52 Soares de Brito e Franco Barreto escrevem para esgrimir com Manuel Pires de Almeida, que em Junho de 1639, em Lisboa, gerara escândalo com o seu “Juízo Crítico sobre a Visão do Indo e Ganges”. Ver António Francisco Barata (ed.), Discurso Apologetico sobre a Visão do Indo e Ganges no canto IV dos Lusíadas por João Franco Barreto […], Évora, Typ. Eborense de F.C. Bravo, 1895; “Resposta ao Juizo Critico do L.do Mel Piz d’Almeida sobre a Visam do Indo, e Ganges, representada nos Lusiadas de Luis de Camões cant. 4 da est. 67 ate 75. Por Joam Soarez de Brito” (ANTT, CCDV-2, fls. 241-262v).

53 Sena lê erradamente, numa obra de Antônio Augusto Soares Amora (Manuel Pires de Almeida – um crítico inédito de Camões, São Paulo, USP, 1955, p. 107), uma abreviatura, confundindo “M.S.F.”, Manuel Severim de Faria, com M.F.S., Manuel de Faria e Sousa. Pires de Almeida discutiria posições de Faria e Sousa, sim, mas só depois da publicação de Lusiadas […] Comentadas (1639). Sem compulsar os textos produzidos acerca do “Juízo Crítico sobre a Visão do Indo e Ganges”, de Manuel Pires de Almeida, Jorge de Sena atribui erradamente a João Soares de Brito e a João Franco Barreto uma “defesa” de Faria e Sousa (Jorge de Sena, “Introdução”, in Lusiadas de Luís de Camões Comentadas por Manuel de Faria e Sousa, reprodução fac-similada pela edição de 1639, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1972, p. 34, nota 66). Além disso, na sua convicção (discutível) de que havia, nessa primeira metade do século XVII, forças sombrias a conspirar contra Camões, insiste em considerar como um ataque ao poema camoniano o processo aberto na Inquisição contra Lusiadas de Luís de Camões Comentadas por Manuel de Faria e Sousa. Sobre quem moveria esse processo – contra o comentário, e não contra o poema –, apenas se conhece o que Faria e Sousa declarou, e nele confiar cegamente redunda em alimentar acusações que carecem de prova. Há que enfatizar, porém: Jorge de Sena escrevia em 1972, sem acesso a elementos hoje disponíveis (as obras de Manuel Pires de Almeida, contidas nos quatro volumes manuscritos que pertencem agora ao Arquivo Nacional da Torre do Tombo – ANTT, CCDV 1-4, quase na totalidade on line; o processo inquisorial aberto contra Faria e Sousa – Ms. Port. 5280.381 da Houghton Library, Harvard – on line. Ver Maurício Massahiro Nishihata, A defesa do camonista Manuel de Faria e Sousa no Tribunal do Santo Ofício de Lisboa (1640), Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 2014).

54 “Persuade-se pelo carácter quando o discurso é proferido de tal maneira que deixa a impressão de o orador ser digno de fé.” (Aristóteles, Obras Completas. Retórica. Coordenação de António Pedro Mesquita. 4ª ed., Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2010, p. 96).