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A Filologia e a Vida

Bem a propósito da entrega do Prêmio "Jorge de Sena" (ver notícia aqui), atribuído pelo CLEPUL/ Universidade de Lisboa ao livro Jorge de Sena e CamõesTrinta anos de Amor e Melancolia, de Vítor Manuel de Aguiar e Silva, aqui apresentamos inédita recensão à obra, assinada por José Augusto Bernardes, da Univ. de Coimbra, que gentilmente nos concedeu essa primazia.

 

“Amor e melancolia, amor e cólera, amor e amargura conjugaram-se em Camões como em Sena” (p.7)


1.Depois de, em 1982, ter escrito um desenvolvido artigo sobre o camonismo de Jorge de Sena [1], Vítor de Aguiar e Silva acaba de publicar um livro inteiro sobre o mesmo tema, confirmando assim a importância que atribui ao labor camoniano daquele que foi uma das figuras mais controversas e marcantes das Letras portuguesas do século XX, enquanto investigador, professor universitário e escritor. Mas o livro que agora vem a lume não incide apenas sobre Sena e Camões; lido em corpo principal e em notas de roda-pé, o presente volume ocupa-se também da história recente dos nossos estudos literários e da maneira como Sena neles se foi posicionando. Num outro plano, este livro não deixa de falar da Universidade – das muralhas corporativas que a protegem e das trombetas que, apesar de tudo, nessas velhas muralhas vão conseguindo abrir alguns respiradouros.


Por último, é necessário dizer que, embora de forma menos evidente, este livro acaba por ser autobiográfico. Nele se evocam episódios testemunhados pelo próprio Doutor Aguiar e Silva: uns mais remotos, como o de um certo Congresso ocorrido nos Estados Unidos da América, em 1966, na Universidade de Harvard, e outros mais recentes, como o da homenagem a Jorge de Sena, promovida no teatro Nacional de S. Carlos, em 2008, pela Fundação José Saramago, que viria, afinal, a estar na génese desta obra; no livro se fala ainda de um grave acidente de saúde, de que o próprio autor foi vítima, nas proximidades do Natal do mesmo ano, que, como veremos, ajuda, de algum modo, a explicar a coda final do volume.


Estamos, pois, desta vez, perante uma escrita onde o autor se expõe, quebrando a “bienséance” académica da ocultação do sujeito. Neste livro, o autor escreve também para se justificar, para nos dar conta de como confluiu com Jorge de Sena e como dele divergiu, a propósito de Camões (essa ponderação não estava clara, até hoje). De forma subliminar, estas páginas dizem-nos coisas importantes sobre o professor, o investigador e o homem que também vamos conhecendo. E digo “vamos conhecendo” porque, como muito bem sabemos, o jogo de espelhos que a Universidade também é nem sempre (deve mais dizer-se “quase nunca”) nos deixa parecer o que realmente somos. E é gozando de uma certa alforria institucional que o autor nos fala agora com a liberdade, a clareza e o espírito de isenção que as circunstâncias nem sempre consentem.


Se quisermos, pois, encontrar um género que possa servir de enquadramento a este novo trabalho de Aguiar e Silva, não encontraremos mesmo melhor do que a “biografia intelectual”. Poderá dizer-se que, sob esse ponto de vista, não se trata de uma biografia intelectual completa, porque, ao longo da sua vida de investigador, Jorge de Sena não estudou só Camões. Haverá alguma razão nessa reserva mas, ainda assim, trata-se de uma biografia bem representativa, uma vez que Camões ocupa lugar central na mitologia e no labor de Sena, desde 1948 – data da célebre conferência que o então jovem engenheiro profere no Clube dos fenianos portuenses sob o título “A poesia de Camões. Ensaio de revelação da dialéctica camoniana” [2]. De facto, como bem nota Aguiar e Silva, Camões não é, para Sena, apenas um autor entre muitos outros. Nas suas palavras concludentes “Camões é o Narciso de Sena, a imagem com que este se identifica e na qual transforma os seus sentimentos e agonias, os seus desejos e os seus sonhos” (p.73, n.64) [3].


Neste volume encontramos, afinal, a história da afirmação universitária de um exilado, integralmente cumprida no estrangeiro, desde o ciclo do Brasil até Santa Barbara, onde Sena viria a falecer, em 1978, ainda e sempre cheio de projectos. Como não podia deixar de ser, nessa história se alude às fortes relações de despeito mútuo entre Sena e a Universidade portuguesa (de Coimbra e de Lisboa). A Universidade não o aceitava nem o compreendia. E temos de convir que seria muito estranho que o aceitasse e o compreendesse, de forma fácil e imediata. Não seria fácil aceitá-lo e compreendê-lo sobretudo quando ele falava de Camões, apresentando-se como portador de uma linguagem nova (que poucos entendiam) de métodos novos (de que muitos desconfiavam) e perseguindo objectivos diferentes (cuja pertinência institucional se não alcançava muito bem) [4]. Afinal de contas, a Universidade tem os seus mecanismos de validação, os seus patamares de acolhimento, os seus ritos delimitadores. Há quem pense inclusivamente que é a todo esse manancial de controlo que deve a sua aura. É, pelo menos, a esse procedimento cautelar que deve a sua excepcional longevidade.
Neste livro (no seu capítulo IV mais exactamente) se dilucidam ainda, julgo que pela primeira vez, os fundamentos teóricos e epistemológicos em que assenta o famoso objectivismo textocêntrico de Sena (do engenheiro civil de formação que foi Jorge de Sena e do autodidacta profundamente reactivo que ele nunca deixou de ser); um objectivismo feito de “erudição problematizante” e de muitas deduções lógicas, sempre aristocraticamente arremessadas contra os “impressionistas” e “diletantes incultos” que, no seu entendimento, povoavam, ao tempo, as cátedra lusitanas. Aí se detectam e comprovam designadamente as influências da escola espanhola da Estilística (Amado Alonso e Dámaso Alonso), de E.R. Curtius, de I.A. Richards e do seu discípulo W. Empson, como base de um método de base indutiva que permite a convalidação de intuições hermenêuticas [5].

2. Ao longo da leitura deste ensaio (em particular de alguns dos seus capítulos) é natural que o leitor se sinta tentado a perguntar, uma e outra vez: estaremos realmente perante uma homenagem a Jorge de Sena? É legítimo que venha a duvidar-se disso, tantos são os momentos em que Aguiar e Silva se distancia do suposto homenageado. Mas é o autor quem o afirma expressamente, falando em “tributo”, palavra que, de resto, surge, de há muito, privilegiada no seu léxico. E é-o realmente, se tivermos em conta que os intelectuais não devem celebrar-se na mesma medida em que se enaltecem os políticos ou os desportistas, ou seja com palavras de puro hagiológio, onde cabem apenas louvores extremados e nenhuma reserva ou discordância.


Ora, é muito necessário ter presente esta circunstância para entender o registo em que A. e Silva presta tributo a Sena, ao longo destas páginas. De facto, embora enaltecendo o camonista exilado, A. e Silva não deixa de apontar vários erros cometidos por ele a propósito de Camões. Menciona, de facto, não poucos erros de perspectiva, erros factuais, e até um ou outro erro de ética: “aristocrático narcisismo”, “temperamento colérico” (p.64), “impiedosa acidez” e “sobranceiro desdém” (p.65), “injusto destempero” (p.70) são apenas alguns dos muitos juízos que podem encontrar-se registados neste livro; e embora o autor lhes chame eufemísticamente “máculas veniais” (p.95, n.97), não pode encobrir a atitude de reprovação que lhe suscitam. A certa altura, serve-se até de apreciações bem mais severas do que as suas, como quando corrobora a crítica de M. V. Leal de Matos que, a propósito das célebres análises numerológicas que Sena aplica a Os Lusíadas, fala declaradamente de “arbitrariedades, sofismas e falácias” e de “delírio interpretativo e arquitectónico” (p.97).


Embora saúde o tom certeiro de algumas intuições senianas, é manifesto que Aguiar e Silva não se deixa convencer, ele próprio, pelo seu método estatístico para a resolução firme dos muitos problemas de crítica textual colocados pela lírica camoniana, como se comprova, por exemplo, no caso da Canção “Glória tão merecida” (p. 143). Do mesmo modo, não se pode mostrar mais relutante face à ideia seniana que faz de Camões um provável alumbrado, “ainda que de fortes tendências liberais”. Este perfil do místico desistente não convence minimamente o Professor de Coimbra, que prefere claramente a ideia de um Camões configurado pelo modelo do “soldado intrépido na guerra da vida” (p.172).


E, sobretudo (e este será porventura a maior reserva que pode colocar-se ao camonismo seniano) A. e Silva não consegue enumerar frutos visíveis do trabalho magisterial de Sena. Confrontado com essa mesma pergunta na entrevista que concede à Angelus Novus, a propósito deste livro (colocado no “sítio” daquela Editora, no dia 4 de Janeiro de 2010), o autor mais não faz do que mencionar dois nomes que, na América, lhe seguiram as pisadas na investigação camoniana [6]; mas não assinala uma verdadeira sequência de discipulato que tenha irradiado de forma clara até aos nossos dias. É certo que, nessa mesma entrevista, se refere a um “étimo” de liberdade e irreverência. Mas cumpre perguntar até que ponto esse mesmo “étimo” não se confunde com a própria idiossincrasia de Sena, em boa verdade fulgurante e irrepetível [7].


Deste modo, a pergunta que atrás enunciei não pode deixar de regressar, de forma um tanto incómoda: é este um livro de verdadeiro “tributo”?[8] E a resposta tem de reavivar-se: admito que a alguns possa não o parecer; mas isso é apenas porque, como venho dizendo, não é este o tipo de homenagem que se usa prestar entre nós aos intelectuais. Não. Que não haja dúvidas. Apesar de todas as ressalvas exaradas, estamos efectivamente (ainda) perante um livro de tributo resgatante prestado a Jorge de Sena, a Luís de Camões e a tudo o que um e outro representam no universo afectivo e intelectual de Vítor Aguiar e Silva.


Sublinhar essa circunstância invulgar é já muito. Mas ainda não é tudo. O volume em apreço é um livro raro entre nós também por outros motivos. É raro pela coragem, pela lucidez e pelos desafios que institui: pela coragem de dizer o que diz, neste registo incomum; pela lucidez de o fazer numa época em que os intelectuais parecem ter-se deixado aprisionar por um outro tipo de reconhecimento: refiro-me à consagração dos “media”, normalmente efusiva, apropriativa e, afinal, acrítica e redutora. Mas a virtude que mais importa sublinhar neste livro é que ele gera, pelo menos, um desafio de enorme alcance: o de que se dê continuidade à história do nosso camonismo em Portugal, no Brasil e na lusofilia, em geral. Não falo naturalmente de uma atitude puramente gratulatória e celebrativa (essa sim, bastante comum nos nossos meios). O que este livro reclama é uma história construída com discernimento crítico e sem temor reverencial, tal qual como Aguiar e Silva a cultiva nesta obra.


Na notável entrevista a que já aludi, o autor manifesta, desde já, o desejo (ou será o propósito?) de vir a ocupar-se de uma outra grande voz heterodoxa dos nossos estudos literários e dos nosso estudos camonianos: António José Saraiva. Mas há muitas outras pedras angulares a explorar. Os estudos camonianos necessitam de ter consciência de onde vêm para saberem exactamente onde estão e como estão. Precisam de saber que caminhos trilharam para chegar aqui. Refiro-me a caminhos institucionais, está claro; mas também penso em trajectos de outro tipo, muitas vezes feitos de vicissitudes pessoais (no caso de A. J. Saraiva, desde logo, também fundados num longo e sobressaltado exílio), de choques de temperamento. Não são esses choques ainda visíveis a olho nu, nos nossos dias? Quero crer que hoje, como no passado, é ainda Camões quem mais está no centro das disputas do nosso pequeno mundo ou não fosse ele o centro do Cânone e, por via disso, o espaço maior de disputa nos meios das Letras [9].


3. Em conferência memorável, proferida há pouco tempo, na sua Faculdade de Letras de Coimbra, o Doutor Aguiar e Silva quis dizer Adeus ao Barroco [10]. Mas já advertiu para o facto de não ter dito Adeus ao Maneirismo. Pois não. É que justamente foi nele e por ele que confluiu com Jorge de Sena e com a imagem que ambos construíram de Camões. Em minha opinião, não conseguirá nunca despedir-se do Maneirismo e não será apenas por motivos de ordem histórico-conceptual. Pode inclusivamente pensar-se que seja também por razões de congenialidade. Para Aguiar e Silva (e também para Jorge de Sena) o Maneirismo é essencialmente feito de Amor e Melancolia. Foi já nessa base empática que, na década de 50, o então jovem Assistente de Literatura Portuguesa aderiu, com tanto entusiasmo, a estas novas teses de reordenamento histórico-cultural, incorrendo então na desconfiança dos seus Mestres, que entendiam o Maneirismo como categoria desqualificadora [11]; já então o foco geral deste sentimento misto era o que é hoje: a Língua e a Cultura Portuguesas. A sinédoque desse Graal era Camões (visto através da sua Lírica mas, confessou-o há pouco tempo o crítico, já então entrevisto também na sua Épica [12]). Ainda não se encontrou ícone melhor para este ideal e, desde então, parece que esse sentimento só se tem vindo a intensificar em Aguiar e Silva.


Nestas condições, como pode pois dizer Adeus ao Maneirismo o Doutor Aguiar e Silva?


4. Só pode ser esse mesmo sentimento intenso que o faz aproximar generosamente de todos quantos, de alguma forma, perseguem esse mesmo objecto, embora sem as suas asas de Hermes privilegiado. Só assim se entende que se enrede neste estranho paradoxo: que veja tanto trabalho camoniano por fazer (as edições comentadas que não há, a exegese que está por calibrar sob tantos pontos de vista, o dicionário histórico da Língua em que ninguém pensa) e, mesmo assim, proclame que estamos a assistir a uma espécie de idade dourada do camonismo. Mas, enfim, bem sabemos, e sabemo-lo, pelo menos desde Camões, como em matéria de Amor e Melancolia o comedimento se torna difícil.


De resto, é o próprio Doutor Aguiar e Silva quem professa a superação do comedimento racional e científico na coda abrangente (e um tanto enigmática) com que decide concluir o seu estudo:

Afinal de contas, para além da filologia existe a poesia e, para além da poesia, existe a vida, que o mesmo é dizer a morte (p.175).

Sabemos, porque o autor disso nos dá conta, que este livro chegou a ser interrompido em função de um acidente grave de saúde e que o sentido desta coda pode radicar nesta circunstância pura e simples. Mas o lugar de “ending” que Aguiar e Silva quis atribuir-lhe, acaba por adicionar-lhe uma ressonância mais abrangente.


Cabe, pois, perguntar, para além da circunstância concreta: a quem se aplica esta admonição? Dir-se-ia que se aplica aos filólogos, em geral; àqueles, já poucos, que consagram o melhor das suas capacidades a depurar textos e a comentá-los com fundamento credível. Mas talvez não se aplique a todos por igual. Provavelmente o autor pensa mais naqueles que entendem a filologia em circuito fechado. É a esses, sobretudo, que A. e Silva lança este aviso. Lança-o a partir da trajectória de Jorge de Sena que foi filólogo sem nunca ter deixado de ser também poeta e homem, vivendo intensa e contraditoriamente. Mas esta asserção parece também nascida da sua própria experiência. Uma experiência riquíssima e multiforme de “scholar”, de camonista, mas também de homem muito atento à vida, seduzido por ela mas sempre inquieto e inseguro face ao seu mistério. Para além de tudo, parece ser essencialmente isso que se deduz do diálogo de Vítor Aguiar e Silva com Jorge de Sena… e de ambos com Luís de Camões.

Notas:

1. Cf. Colóquio/Letras, 67 (1982), pp.45-52.
2. Essa conferência viria a ser publicada, pela primeira vez, nos Cadernos de Poesia (fascículo sete, 2ª Série, Junho de 1951) e já postumamente, no volume Trinta anos de Camões (1948-1978). Estudos camonianos e correlatos, Lisboa, Edições 70, pp.15-39.
3. No seu estudo de 1982, Aguiar e Silva tinha posto mais a tónica numa congenialidade de outra natureza: “Camões e Sena foram, em contextos históricos e situacionais bem diversos, espíritos semelhantemente consumidos e atormentados por um amor e uma chaga que se chama Portugal, ambos se revelaram como consciências terrivelmente fulgurantes e desenganadas da grandeza e da miséria desta Pátria de mareantes, de visionários, de exilados e de andarilhos, mas também de “instalados”, de gente surda, de invejosos, de zelosos delatores e guardiões de qualquer ortodoxia”, (Cf op. cit. p. 45).
4. Embora o tenha dado também a entender nos seus estudos, é na abundante correspondência que troca com outros intelectuais (hoje parcialmente publicada) que Sena dá conta do intuito de reconfigurar Camões, desafectando-o da visão que dele até então vinha sendo dada. Para além das muitas cartas em que alude aos traços principais dessa nova imagem (dirigidas a José Régio, Vergílio Ferreira ou Sophia de Mello Breyner, por exemplo), podem captar-se esses mesmo traços no famoso discurso pronunciado no dia 10 de Junho de 1977, na Guarda, agora publicado na segunda edição do volume póstumo intitulado Dedicácias (Lisboa, Guerra e Paz, 2010, pp.101-116)
5. A este propósito, note-se a forma como Mécia de Sena, em carta dirigida a Aguiar e Silva e por este publicada no final do volume (p.181), justifica o método do marido: “nunca será demasiado dizer que meu marido não considerava o seu método estatístico nem definitivo nem infalível, antes pelo contrário, considerava-o um método de trabalho como outro qualquer e tão válido como outro qualquer que se provasse útil” (Carta datada de 18.XII. 1994).
6. A este propósito, o entrevistado refere concretamente os nomes de António Cirurgião e Kenneth David Jackson.
7. E mesmo a propósito da sobrevivência desse “étimo” cumpriria perguntar (com algum peso de dúvida) se nos estudos camonianos actuais, institucionalmente resguardados, existe hoje (mais do que naquele tempo) mais espaço para a afirmação da heterodoxia.
8. De resto, a pergunta era já pertinente para o artigo publicado em 1982. Nesse texto, vindo a lume 4 anos após a morte de Jorge de Sena, não são poucos os erros apontados. E, no entanto, não pode deixar de notar-se, ao mesmo tempo, a simpatia para com as muitas intuições fragmentárias do camonismo seniano: desde o horizonte periodológico do maneirismo (logo entrevisto no estudo de 1948) até ao fundo dialéctico em que o estudioso integra a poesia de Camões.
9. Convém referir, a esse propósito, que o trabalho camonístico de Vítor de Aguiar e Silva justifica bem uma inquirição desenvolvida, que considere a confluência rara que nele se verifica entre o domínio dos problemas ecdóticos (aplicados à Lírica e à Épica), as complexas questões suscitadas pelo enquadramento histórico-literário e histórico-cultural e ainda a hermenêutica dos textos.
10. Trata-se de uma conferência que sob o título “A poética da alegoria e o Barroco”, foi proferida na Faculdade de Letras de Coimbra, em 23 de Outubro de 2008, no âmbito do Colóquio Internacional “D. Francisco Manuel de Melo e o Barroco Peninsular”, em realização conjunta do Centro de Literatura Portuguesa e do Centro de História da Espiritualidade. Essa mesma conferência foi depois publicada nas Actas com o mesmo título, editadas, em 2010 (sob coordenação de Marta Teixeira Anacleto, Sara Augusto e Zulmira Santos), pelas Universidades de Coimbra e de Salamanca (pp.95-118).
11. A história da adesão de Aguiar e Silva às teses do Maneirismo de Camões e as resistências que então teve que vencer por parte do seu orientador são evocadas pelo próprio, em artigo publicado num volume por mim coordenado (Portuguese Studies, VII, Santa Barbara, 2003) e depois incluído em A Lira Dourada e a Tuba Canora (Lisboa, Cotovia, 2008, pp. 13-32).
12. No já citado texto autobiográfico, Aguiar e Silva, ao referir-se à luta que teve que travar pela afirmação do Maneirismo de Camões, reconhece uma limitação que, na época, não conseguiu ultrapassar. “não tive a coragem de afirmar que o Camões épico é um poeta maneirista e que Os Lusíadas são uma admirável e complexa epopeia maneirista” (Cf. op. cit., p. 19).