O "Dia Internacional dos Monumentos e Sítios" (comemorado a 18 de abril, e instituído em 1982 com o patrocínio da UNESCO) nos traz à mente a quantidade de monumentos, ou de espaços históricos, ou de museus, referidos por Jorge de Sena em numerosos escritos. Para só ficarmos pela poesia, recorde-se, por exemplo e muito rapidamente, "A Nave de Alcobaça", "A Mesquita de Córdova", "Chartres ou as pazes com a Europa", "Vila Adriana", "Florença vista de San Miniato al Monte", "Plaza Mayor de Salamanca"… Embora Sena não poupe referências ao patrimônio monumental português, fácil é deduzir que este é sobrepujado numericamente por aquele que se encontra na restante Europa. Dos registros de primeiras "descobertas" fora de Portugal, com o olhar de escritor, já aqui trouxemos suas cartas de Londres, relativas à viagem de 1952, pontilhada de "peregrinações" a museus e catedrais. Depois desta, a seguinte "viagem internacional" teve como destino a Galiza, anotada no diário de 1953/54, cujos excertos relativos ao "monumental" visitado transcrevemos abaixo. Bem mais do que este, o diário da viagem de 1968 é rico em apontamentos sobre lugares culturais, canônicos e não-canônicos, percorridos pelo olhar arguto e pela palavra certeira de nosso autor. Deles, recortamos os das páginas finais, voltados para terras de Espanha, que abaixo se lêem.
22 de abril de 1954: Estou em Santiago, depois de Tuy, Vigo, Pontevedra. A catedral e a cidade são admiráveis. Curiosa a catedral de Tuy, lindíssima a paisagem das rias, de uma extraordinaríssima beleza uma ábside gótica em ruínas, coberta de heras, que há em Pontevedra. Como é praxe, abracei S. Tiago a quem fiz um pedido. […] o Sousa andou a mostrar-me a cidade velha com o lagedo que a chuva molhou e as arcadas sucessivas. Chega a parecer-me incrível que aqui esteja.
23: Pela manhã, demos mais uma volta em Santiago e fomos à Colegiada del Sur. Depois — Orense, onde almoçamos. Catedral maravilhosa, e pouco citada. Entramos em Chaves ao fim da tarde.[…]
25: Fui ao café onde dei largas ao meu entusiasmo. Conversou-se muito, tendo eu e o Casais defendido, com Galiza, o império atlântico. O Marinho, que admira o Pedrayo que acaba de traduzir, via antes a velha idéia da federação ibérica. Concedi que, dentro dos pactos regionais, o poderia haver com uma federação hispânica, que agrupasse a Espanha e a América espanhola. […] No pórtico de Orense, que copia muito de perto o pórtico da Glória, tive ocasião de ver, pois que a pintura está bem conservada (relativamente), como a escultura românica e gótica é para ser pintada, e foi concebida para ser completada com ela. À cor é confiado o que se pretende que a pedra não dê ou não dá mesmo. De resto, ambos os pórticos (como aliás Las Platerias na Catedral de Santiago) são muito belos.
16 de Dezembro de 1968, 2a. feira: […] Fui à Diputación, ao Ayuntamiento, à catedral, ao museu (capela real e salão nobre do palácio, sendo que o retábulo da capela é o que o D. Pedro de Portugal mandou fazer) — e mesmo percorri Barcelona romana que, subterrânea, foi posta extraordinariamente à vista. […] Barcelona é realmente magnífica, e a parte antiga esplêndida, sobretudo para embeber-me da evocação que pretendo. Bom é que me reste a manhã de 4a. feira (amanhã é a excursão pela Catalunha), para ver St. Maria del Mar, onde o Condestável jaz (a espada dele, descobri, está no tesouro da Catedral). […]
17 de Dezembro, 3a. feira: […] Fomos directos a Vich, onde entrámos na catedral para ver as pinturas de J. M. Sert, e depois a Ripoll, para ver o velho mosteiro fundado por Vilfredo, o primeiro conde de Barcelona, e onde está o célebre portal; vimos o claustro também, e abasteci-me de postais. […] De Ripoll, fomos ver San Juan de las Abadessas, com o seu calvário de figuras de madeira, monumental, incomparável coisa românica (a primeira abadessa foi a filha de Vilfredo). Seguimos para Olot, e ao longe eu vi o majestoso Canigou que, do outro lado, fora paisagem minha em La Tour de Carol. […] Fomos por Olot a Besalu dos velhos condes, cidadinha que conserva a atmosfera românica de casas, ruas e igrejas. Aí almoçamos, e vimos também a ponte romana-gótica. Por Figueras, descemos – e a paisagem abria-se sobre a Baía de Rosas, luminosa – para Ampúrias, onde vi as ruínas da cidade e do porto grego, e o museu. […]
18 de Dezembro, 4a. feira: O Badia veio buscar-me às 9 horas, e levou-me a ver a loucura do Gaudi, que eu queria contemplar de perto, e depois a Luja del Mar. E deixou-me à porta de St. Maria del Mar, que é uma das mais elegantes coisas góticas que já vi na minha vida […]. Conseguimos, entre as obras de Sta. Maria que está em restauro, encontrar a pedra sepulcral, muito deteriorada, do Condestável D. Pedro – resta confirmar. E fomos ver o belo museu Picasso, feito num palácio antigo, com a colecção Sabartes – e as "Meninas", a sério, que Picasso doou a Barcelona. […]
20 de Dezembro, 6a. feira: […] Saí por volta das onze horas, fui à Calle do Barbazán, e depois fiz caminho para os correios pela Calle Lope de Vega, onde está o convento das Trinitárias que recebeu Cervantes morto (e na esquina fronteira era a casa de Quevedo), e pela Calle Cervantes, onde está a casa onde viveu e morreu Lope de Vega (a razão de as duas ruas estarem trocadas é que não entendo), que contemplei. […] Fui ao Museu do Prado flanar nas salas, muitas sem luz, quase impossíveis de rever, um desespero. […] Agora, só quero rever a Plaza Mayor e visitar a mãe do D. Sebastião nas Descalzas Reales, o que farei amanhã, antes de ir à biblioteca.
21 de Dezembro, sábado: […] fui visitar as Descalzas Reales que é uma beleza barroca (com encanto e severidade), menos a igreja onde só vale a capela tumular de D. Joana de Áustria, neo-clássica, com a sua belíssima estátua orante. No museu, que é o convento que ela fundou e onde morreu (tinha nascido ali, quando a casa era de campo para Carlos V), está o retrato de D. Sebastião por Cristóvão de Morais. Pela Plaza Mayor, passando por S. Ginés, voltei ao hotel.