Impossibilitado, por inadiáveis afazeres, de comparecer* ao banquete em que os democratas portugueses de São Paulo comemoram o cinquentenário da República Portuguesa, não posso deixar de estar presente em espírito a uma cerimônia do mais alto e transcendente significado – a mais importante celebração do aniversário da data histórica de 5 de Outubro de 1910, porque, em São Paulo, se comemora neste banquete, em liberdade, meio século de vida portuguesa, desde esse dia em que o povo da nossa pátria num entusiasmo de renovação autêntica, derrubou o antigo regime e proclamou a República.
Que vida portuguesa se comemora? Os dezesseis anos escassos que a República viveu? Os trinta e quatro anos de privação das liberdades essenciais que se lhes seguiram? Nem uns, nem outros. Sem dúvida que a nossa comovida homenagem vai para aqueles que, dedicadamente, abnegadamente, apaixonadamente, tudo fizeram para criar uma República que fosse, em verdade, um governo do povo, pelo povo e para o povo. Sem dúvida que o nosso mais rendido preito vai para quantos, ao longo destes anos, indefectivelmente pugnaram por uma pátria para todos os portugueses, em que lhes não fosse perguntado o que pensavam e apenas se lhes exigisse que pensassem, bem alto e livremente, a bem de Portugal. Mas não é tudo isso o que comemoramos: nem as lutas nem as dissensões, nem os triunfos fugazes, nem as derrotas duradouras. Não: nada disso é mais que uma lição terrível, que se aprende ou deve aprender, mas não se comemora. Nós comemoramos o sonho de 1910, que cinquenta anos não consumiram, não desgastaram, não destruíram, e antes acendraram mais. O sonho de uma República que virá, pela coragem dos homens e o imperativo dos tempos, e que distribua por todos nós, equitativamente, imparcialmente, a dignidade de sermos portugueses. Uma República que dê a todos o que nem todos têm: a consciência responsável de que uma Pátria não se faz só de glórias passadas nem de futuros hipotéticos, nem de um presente amarrado ao dia a dia de enriquecer ou de ganhar duramente o pão cotidiano: a consciência de que uma Pátria se faz não apenas com o amor dos seus filhos, mas com a liberdade deles, não com a liberdade de alguns, ou da maioria, mas com a liberdade de todos. Uma República que saiba, de uma vez por todas, que a liberdade não é só de palavras, ou de reunião, ou de associação, porque não há liberdades possíveis e verdadeiramente exercidas, onde não houver libertação do homem, onde um homem só que seja não estiver liberto da sujeição, do temor , da insegurança.
Eis, companheiros e amigos o que eu penso que comemoramos: cinquenta anos que são oito séculos de uma história gloriosa e dolorosa também, cinquenta anos de República indefectivelmente proclamada na nossa inteligência e nos nos nossos corações.
Viva a República!
Viva Portugal!