Lisboa, 15/6/953
Meu caro Eduardo Lourenço
Por não me ter sido possível ir ao passeio (que sei ter redundado em excelente êxito – e perdoa-me V. que lhe diga da simpatia e consideração por V. que ressumam dos comentários que ontem ouvi?), não chegámos a conversar, quando eu nem sequer chegara a devidamente lhe agradecer a sua bela carta.
O que me diz da tradução – eu limitei-me estrita e esforçadamente a recriar em português o estilo do Greene, mesmo por vezes com sacrifício de uma clareza imediata, cuja subtil falta respeitei sempre que a encontrei por fazer ela parte da própria estrutura do romance.
Do prefácio: há muito, e cada vez mais, eu escrevo com a noção absoluta de pregar no deserto. Sei que uns entendem e não aceitam, e que outros, que aceitariam, não entendem. Mas a única justificação de uma existência que escreve para testemunhar de todas as verdades é persistir mesmo assim, e escrever da compreensão que era possível no nosso tempo. É provável também que me canse – mas isso nada prova senão contra mim, pois que sempre poderá haver, expressa ou não, uma compreensão profunda e amplificadora como a sua. A tristeza, porém, é muita; e não sei se, ainda que (quem sabe?) alegremente, não acabaremos por nos convencer definitivamente de que só nós estamos errados… e certos todos os outros. Eu não ando, de resto, muito longe disto: simplesmente as razões acima ainda se inserem no quadro de uma – como direi? – nada fatalista visão do mundo. Nem de outro modo poderia eu explicar o ter chegado a escrever o poema que lhe mandei e faz parte de toda uma sequência (pela unidade de ocasião no tempo e de inspiração) de igual ou análogo sentido.
Mais uma vez, pois, muito obrigado. Abraça-o com muito estima o camarada amigo
Jorge de Sena
P.S.- Não deixe de ler os poemas do grego Cavafy que traduzi do inglês e publiquei no “Comércio”, no passado dia 9. Não me lembro se chegámos a falar nisto.