Escrito como uma espécie de adendo ao capítulo dedicado a Shakespeare em A Literatura Inglesa, o artigo que aqui transcrevemos, e que de certa forma resume a leitura de Jorge de Sena sobre a dramaturgia do Bardo, foi originalmente publicado no Suplemento Literário de O Estado de São Paulo, a 18 de Abril de 1964, e no Diário de Notícias, Lisboa, a 30 de Abril de 1964. Hoje, integra o volume Maquiavel, Marx e outros estudos.
No capítulo IX da minha História da Literatura Inglesa [A Literatura Inglesa, São Paulo, 1963; 2a. ed., Lisboa, 1990.], inteiramente dedicado ao estudo de Shakespeare, e quase a concluir, eu dizia o seguinte: “E Shakespeare, quem era ele? Um autor, um dramaturgo, um poeta, vivendo numa época em que as circunstâncias, ao declinar o sonho de libertação do Renascimento, colocavam o homem perante as contradições dramáticas da sua liberdade. O Mundo era um palco onde tudo seria possível, se a solidão não fosse o preço a pagar pelo papel na peça. Shakespeare pagou, pela sua humanidade, o mais caro preço: a despersonalização completa. Não importa saber quem era Shakespeare, porque ele é as suas criações, ele é a demonstração de que o homem pode, despersonalizando-se, acrescentar ao mundo natural o mundo humano”.
No esforço para meter em 470 páginas uma literatura inteira, sem nada sacrificar de minuciosas referências ao maior número de obras e de autores, é bem possível que aquelas belas frases tenham resultado algo sintéticas de mais. No momento em que se comemora o 4o. centenário do nascimento desse homem que, se não foi o maior dramaturgo que a humanidade produziu, talvez valha a pena desenvolver um pouco aquelas elipses e meditar no sentido que terá, para nós, essa despersonalização teatral a que Shakespeare tão gloriosamente se aplicou.
Por despersonalização teatral devemos entender a capacidade de criar figuras autónomas que, no palco, não falam em nome das ideias e dos sentimentos do autor, mas sim em função das situações em que são colocadas e do carácter que lhes é atribuído. Nós só podemos saber o que Shakespeare pensava e sentia de determinadas situações humanas se, ao que as suas personagens dizem e fazem, subtrairmos a personalidade delas, e se, complementarmente e reciprocamente, subtrairmos as situações em que elas se encontram e que, em grande medida, são criadas por aquelas falas e aquelas acções. Porque a maior parte da obra de Shakespeare é teatral (e não há certeza de que a sua obra lírica, por exemplo os sonetos, o não sejam também), não haverá outro modo de, através da obra, atingirmos a personalidade de um autor acerca do qual escasseiam os depoimentos, directos ou indirectos, ou as referências biográficas. Mas, precisamente no mesmo grau em que Shakespeare é um criador de teatro, e se despersonaliza para a realização daquelas situações e das suas personagens, as subtracções que apontamos como imprescindíveis ao seu conhecimento individual e profundo são impossíveis sem que precisamente fique destruído e desprovido de significação aquilo mesmo que seria a nossa base de pesquisa: as suas criações teatrais. Que isto é assim, eis o que é comprovado por anos e anos de esforços infrutíferos e contraditórios da crítica, para sob essas criações descobrir o cerne motor que as justificaria. Shakespeare continua ignoto como animal pensante e sentiente; e, se não fora o extraordinário génio que se revela no seu comando da linguagem e na transfiguração dramática que imprimiu às histórias conhecidas de que partiu para criar as suas peças, seríamos tentados a supor que ele não só teve a vida vulgar, mediana e tranquila que os documentos manifestam (e a crítica romântica, com a sua concepção do génio como um sujeito anormal e oposto às regras do mundo, recusava esta visão tão natural de um homem que tinha imaginação), mas era pessoalmente, além disso, um vulgaríssimo homem, nas suas ideias e nos seus sentimentos. E o caso é que, paradoxalmente, ele o é, repetindo convictamente, sobre os mais variados assuntos e temas, os mais banais “clichés” do seu tempo. Uma das mais paradoxais coisas que se verificam em Shakespeare é, sob tão terríficas e tão grandiosas situações e falas, ou sob tão subtis e tão graciosas cenas, ele ser de uma perturbante banalidade. É maravilhoso e espantoso tudo o que se passa ou é dito nas suas peças. Mas o mais maravilhoso é que nada se passe que não disfarce no terrível uma vulgaridade total; e o mais espantoso é que nada seja dito de tão poeticamente extraordinário que não faça parte das mais comuns experiências humanas. É óbvio que nem todos os homens viveram as tragédias do Rei Lear ou de Ricardo II, sofreram as alegrias e os contratempos dos amantes de Verona, mataram por ciúmes as esposas, como Otelo, viram fugir-lhes o poder nas asas do crime que lho dera, como Macbeth e sua mulher, ou meditaram sobre o que fazer para vingar um pai assassinado, cujo assassino casara com sua mãe, como Hamlet. Do mesmo modo, nem todos os homens foram mágicos como Próspero, usurários como Shylock, ou passaram a vida apaixonados trocadamente por travestis, como sucede em grande parte das comédias de Shakespeare. Tudo isto é monstruoso e excepcional, tudo isto está muito longe da vida quotidiana e dos juízos da experiência que acerca dela emitimos. E sobretudo o está na grandiloquência avassaladora com que as situações teatrais são apresentadas por Shakespeare e com que as suas personagens jamais se distraem de falar. Mas será que essa distância existe realmente? Será que a nossa vulgaridade quotidiana não é aquela monstruosidade toda?
E é este, provavelmente, o cerne das criações shakespearianas e da sua personalidade de dramaturgo. Quando o dramaturgo realista, pelos padrões do teatro burguês da segunda metade do século passado, coloca perante nós situações plausíveis e personagens comuns, e estas, falando a linguagem corrente, vivem dramas que podiam acontecer a qualquer dos espectadores, ele, quanto mais realista for, mais se afasta da realidade profunda da humanidade. E, ao criar personagens verosímeis e situações (ainda que violentas) vulgares, inibe qualquer espectador de identificar-se intimamente com criaturas que, de tão verdadeiras, tanto podem ser ele como o vizinho do lado. O dramaturgo não realista, na concepção das figuras e das situações, na linguagem cénica, esse, ao criar monstros, cria hipóteses da monstruosidade que se oculta na banalidade de toda a gente; e todo o espectador sente um arrepio terrificante de identificação, ainda que repulsiva (e catártica), com o que, para ele, é um abismo pessoal e intransmissível. Se esses abismos são, na verdade, bastante idênticos em toda a gente, porque assentam nos mesmos substractos do inconsciente coletivo, é uma outra questão, que não só em nada altera aqueles efeitos, como precisamente contribui decisivamente para a profundidade que eles atingem. Porque, se os abismos são mais ou menos comuns na sua infinita variabilidade e na sua diversa intensidade, o que neles é pessoal e intransmissível é a incomunicabilidade directa e confessional, o facto de serem demasiado profundos para serem autorizados a quebrar as barreiras repressivas para ascenderem à consciência. Esta ascensão, porém, dá-se, e simultaneamente não se dá, na criação artística: do mesmo passo que os abismos ascendem à superfície e são exibidos a olhos públicos (e o exibicionismo é das tendências profundas mais radicadas e mais reprimidas na vida adulta), são-no transfigurados, transformados noutras formas e noutros seres, que, não sendo nós, têm tudo de nós mesmos, ao mesmo tempo que, nada tendo de nós, nos personificam num duplo. Isto, evidentemente, em que vemos a catarse explicar-se a si mesma, não é apanágio exclusivo do teatro de Shakespeare; e nem sequer o é das grandes obras de arte. Pelo contrário, isto é o que as grandes obras de arte têm em comum com as mais medíocres, as mais vulgares, as aparentemente mais destituídas de categoria, e só próprias para o consumo de atrasados mentais. Extremadas na excepcionalidade artística de uma estrutura admirável, ou patinhando na mais primária das imaginações desconexas, umas e outras são as que apelam para o que de mais profundo torna a humanidade algo de uno, culturalmente, no tempo e no espaço. E, se para lá de alusões que perderam o sentido, de costumes que estão obsoletos e de fantasias que são elementares de charra banalidade, umas e outras continuam vivas (as grandes obras, em si mesmas; e as de consumo, nas sucessivas formas com que se adaptam à realidade ambiente), é porque, ao contrário do que sucede às dignas obras de mediana categoria, de que se faz a história literária, elas correspondem aos sentimentos e às concepções profundas e instintivas de uma humanidade que ainda mal saiu da noite da pré-história, aterrada com o seu poder e com a sua liberdade.
Isto o teatro de Shakespeare realiza-o com uma eficácia extraordinária. Os enredos são de dramalhões de faca e de alguidar; as personagens não têm verosimilhança alguma; as falas são muitas vezes pirotecnia verbal sem correspondência correcta com a situação em que surgem; certas situações, o menos que delas pode dizer-se é que são absurdas. É um erro total admirar a complexidade psicológica das personagens de Shakespeare; e é esse erro que nos impede de compreendermos Hamlet ou Falstaff. A complexidade psicológica delas, nos contextos cénicos em que são chamadas a revelar-se, nada tem que ver com o analitismo de Dostoievski senão na medida em que este romancista faz, nos seus romances, o mesmo que Shakespeare faz com seu teatro. As personagens de Shakespeare, mesmo o tão analítico Hamlet, não se analisam a si e aos outros como o Marcel que escreve o monumental romance de Marcel Proust. E também este romancista não recuou perante as mais extravagantes incoerências de comportamento das suas personagens, e foi precisamente o descobridor das “intermitências do coração”. O que é complexo na psicologia das personagens de Shakespeare (e que não seja devido a uma técnica teatral que exigia uma acção rápida e uma linguagem grandiloquente, com um palco nu, quase rodeado pelos espectadores) resulta da acuidade fulgurante com que elas são conscientes, a cada momento, das circunstâncias do seu destino. Este, muitas vezes, excede-as de muito, é-lhes infinitamente superior (como é o caso de Otelo ou o de Ângelo, de Measure for Measure). Mas as personagens shakespearianas, mesmo entregues à obnubilação apaixonada que há de levá-las à perdição, ou a uma hipocrisia em que acabam hipócritas para si mesmas (como é o caso de Ricardo III também), não deixam nunca de ser agudamente sensíveis e veementemente articuladoras verbais de uma consciência em situação, por mais irrelevante que, do ponto de vista da verosimilhança, esta situação seja. Se há disto exemplo clamoroso no teatro de Shakespeare, é o Rei Lear, cuja loucura é uma forma de suprema lucidez, no seio de uma história de horrores elementares que não serviriam para ninguém, nem o público, ser lúcido de coisa alguma.
É esta noção de que o homem não é uma unidade moral e psíquica senão no que o irmana aos outros homens pelo inconsciente profundo e pela identidade biológica, e nas consequências inexoráveis dos seus actos mais incongruentes, que torna único, como criação estética, o teatro de Shakespeare. É a noção de que o homem é banal, é comum, é vulgar, não tem grandeza alguma (e, por isso, Shakespeare se criava monstros exemplares, escreveu uma tão tremenda e arrepiante sátira dos heróis homéricos, como é Troilus and Cressida). E que a sua grandeza resulta, paradoxalmente, de ser responsável por um destino que não controla senão pela magnificência dos seus discursos ou pela incisividade dos seus lamentos.
Importa muito pouco o discutir-se se Shakespeare tinha pessoalmente consciência de todas as implicações desta visão do mundo, tão audaciosamente vulgar que todas as instituições tremem perante ela. Criador teatral e poeta de imensos recursos rítmico-semânticos, a discussão passa ao lado da verdadeira questão. Porque um poeta como Shakespeare não é um filósofo, e não precisa de ter essa consciência: as suas personagens que a tenham por ele. Se acaso a tivesse, com igual agudeza, e observasse a vida humana, teria escrito os ensaios de Montaigne, e não as peças de teatro. Ou estas seriam ensaios filosóficos postos em cena, como o são, no teatro moderno, as de Ibsen ou de Pirandello, com toda a comovente humanidade de muitas delas. As peças de Shakespeare não são peças de tese, não são discussões de problemas. Se Bruto medita no seu crime, se Coriolano se opõe orgulhosamente a todos, se António e Cleópatra são o amor que pretende dominar o mundo, se Romeu e Julieta são a paixão juvenil e espontânea que a nossa ancestralidade social sempre mata em nós, e se todos sabem os riscos que correm, isso não pretende demonstrar nada no palco, e nem sequer, como as moralidades teatrais, visa a tornar-nos “melhores” e mais virtuosos ou prudentes. Visa, sim, curiosamente, a divertir-nos, mesmo com lágrimas e terrores ou com a doce e cruciante melancolia das últimas peças. Nada mais. Mas note-se que não visa a distrair-nos de uma consciência última da nossa portentosa inanidade. Pelo contrário, se nos diverte com ela, é porque, apresentando-nos os desastres e os crimes daqueles monstros, ou transformando a vida no ballet de sexos e de ironias que são as comédias, nos liberta, pela inverosimilhança exemplar, da tirania do nosso próprio quotidiano, do desespero da nossa impotências, da amargura das nossas culpas. Afinal, impotentes, criminosos, prisioneiros dos seus actos vis ou nobres, não somos nós, mas aquelas criaturas que, assumindo tudo isso, não podem ser identificadas connosco, e a quem nos identificamos salvaguardados pelo facto de não haver entre nós e eles identificação possível.
Nascido quando o Renascimento italiano morrera havia umas três décadas; escrevendo e apresentando as primeiras obras quando Camões já morreu; contemporâneo de Góngora e de Marino – Shakespeare não é já um homem da Renascença. O seu mundo, mesmo a Inglaterra tão orgulhosa do imperialismo que ascendia, e de haver derrotado as pretensões de Filipe II de Espanha, era o das religiões de Estado e das oligarquias autocráticas à escala nacional e não o dos príncipes italianos do Renascimento, rodeados de artistas e de eruditos. A literatura era cortesã, e só pelas cortes reais a vida pública existia, ou pelas furiosas ou contemplativas obras de apologia religiosa. O teatro era, nesse contexto, uma subliteratura a que se assistia para matar o tempo e para purgar as paixões malsãs, sem perigo de ser-se perturbado por questões político-religiosas que os dramaturgos estavam proibidos de aflorar. O teatro sério representava-se em latim nas escolas e universidades. O outro teatro, se os reis e os príncipes o encomendavam ou a ele assistiam, ou se meramente estendiam a sua protecção às companhias teatrais (para que elas não fossem tidas como compostas de vagabundos sem profissão, e serem nominalmente de servidores de uma casa), era para se divertirem como os seus súbditos, e não para pactuarem no atrevimento de críticas cujo tempo havia passado. E, escravizado às restrições do seu tempo, e às exigências de um público que queria ver grandes coisas espantosas em cena (e os dramaturgos rivalizavam em fazê-las hórridas), foi que o teatro de Shakespeare ficou inteiramente livre para mergulhar nas realidades profundas, à custa de banalidades e de extravagâncias. E jamais teria mergulhado tão fundo, e trazido esses lodos ancestrais à superfície, envoltos em tão esplêndida roupagem de palavras, se não houvesse partido de uma despersonalização total, que é, ao mesmo tempo, uma inocência absoluta. Esta inocência não deve iludir-nos quanto à sua essência, porque é feita de toda a malícia inescrupulosa dos grandes artistas. Feita de artifícios cénicos, de enganadoras frases, de calculadas situações, de incongruentes personagens, e de irrisórios enredos. Tem, assim, a malícia e a falta de escrúpulos da própria vida. E a vida é o que há de mais banal e comum, e também de mais extraordinário. Há milhões de anos que a possuímos e transmitimos, e ainda pasmamos de a termos; e nas frustrações medonhas de que ela continua feita, somos, perante a morte, os mesmos animais apavorados.
Está novamente em moda falar-se do cristianismo de Shakespeare, cuja religião nos parece tão conspicuamente ausente do seu teatro, em termos que possam ser seus. Provavelmente (e outra coisa não seria de esperar de um homem tão enquadrado na vida comum do seu tempo quanto se adivinha biograficamente que ele foi), poderemos com exactidão aplicar-lhe a frase de um romancista moderno: era um cristão que escrevia peças, e não um dramaturgo cristão. De resto, no tempo de Shakespeare, esta última alternativa não tinha sentido algum: os autores, ou as pessoas, só começam a sentir-se assim alguma coisa, quando aparecem outras que se consideram anti dessa coisa. As oposições entre os diversos ramos cristãos, nesse tempo, haviam cindido apenas a autoridade unitária da cristandade, mas não esta mesma, da qual todos se consideravam os mais legítimos herdeiros e intérpretes. O pouco carinho com que Shakespeare põe puritanos em cena pode fazer-nos crer que era um convicto anglicano. Não é muito crível: troçar dos puritanos era o mot d’ordre na Inglaterra do tempo; e, aqui entre nós, anglicanos convictos só o foram, desde sempre, uns quantos teólogos, bispos, e poetas líricos. O anglicanismo era, e ainda é, uma maneira de, antes de ser-se religioso, ser-se inglês. Inglês, com todos os lugares-comuns do patrioteirismo bélico e cívico e todas as vulgaridades milenárias do embevecimento idiota com o carácter incomparável da paisagem da pátria, isso foi Shakespeare, sem dúvida. E as selectas escolares da Grã-Bretanha ainda hoje exploram esse filão de filáucias pomposas. Mas, se cristianismo há na tão hábil abstenção ideológica de Shakespeare (porque nele nem tudo, a este respeito, é sublime despersonalização), é um cristianismo subtilíssimo, que afinal brota dos mesmos abismos em que falamos: a consciência de que o destino é a expressão externa e lógica de um pecado original que haja no nosso carácter, e da nossa incapacidade para, por nós mesmos, sem uma graça que nos transcenda, nos libertarmos do círculo inexorável das suas consequências. Como homem vulgar do seu tempo, Shakespeare terá pensado que essa graça transcendente era a Inglaterra e falava inglês. Hoje, nós sabemos que ela apenas falou inglês pela pena dele, um homem da Inglaterra isabelina, possuidor de pouco latim e de menos grego, que foi baptizado na sua cidade natal de Stratford-on-Avon, há exactamente quatro séculos, e que nela morreu cinquenta e dois anos depois, legando ao mundo um conjunto de obras-primas de autoria incerta, de que não possuímos um único texto autógrafo, já que, ao que parece, apenas existe “autógrafa” uma peça que não será sua. Fora disso, os seus autógrafos estão em documentos de compra e venda de propriedades, e coisas semelhantes, como o seu testamento. Este poderia ser o de qualquer outra pessoa, e não do poeta dramático que ele foi e que nem sequer preparou as obras para publicação. Para que havia de fazê-lo? Se todo o mundo é teatro, e mal temos tempo de representar o nosso papel na peça, para que fixar o texto, quando nós mesmos o escrevemos? Se tudo é possível no palco, como afinal na vida, para quê perpetuarmos a solidão de o termos descoberto? E, depois, as obras-primas não se perdem nunca, já que, para os outros homens é sempre cómodo que um outro tenha havido para divertir-nos com as verdades terríveis que são feitas da monstruosa banalidade da vida que tanto amamos.