Neste artigo, João Gabriel Ribeiro Passos e Rodrigo Corrêa Martins Machado discorrem sobre a relação entre a poesia seniana e o cinema, a partir tanto da leitura dos ensaios do escritor a respeito dessa arte quanto de dois poemas bastante emblemáticos: “Couraçado Potemkin” e “À memória de Kazantzakis, e a quantos fizeram o filme Zorba the greek”, o primeiro presente em Poesia-III e o segundo em Peregrinatio ad loca infecta.
João Gabriel Ribeiro Passos*
Universidade Federal de Ouro Preto
Rodrigo Corrêa Martins Machado**
Universidade Federal de Ouro Preto
Introdução
Jorge de Sena é um dos muitos que apreenderam a velha lição marxiana de que “não é do passado, mas unicamente do futuro, que a revolução social do século XIX pode colher sua poesia” (Marx 2011: 28). E por isto mesmo incorporou-a, em múltiplos níveis, em sua atividade poética: isto é, reafirmou sua fidelidade à radical ideia de que uma sociedade distinta não é meramente uma projeção e proposição ideal, intelectiva, do presente para o futuro, mas o movimento real que supera as contradições de nosso estado de coisas atual e guia, em seu próprio devir, os lampejos de um mundo novo. É o que nos lembra Jorge Fazenda Lourenço numa profícua sistematização e sintetização dos aspectos determinantes da poesia seniana, ao considerar que seu projeto poético-político
reside (1) na tomada de consciência de que a poesia também é um processo histórico, que se realiza num confronto de “tradições” e destas com “desvios” e “ruturas”, (2) na concomitante tomada de consciência de que a poesia está investida de uma responsabilidade ética que é, antes de mais nada, uma responsabilidade estética, e (3) na complementar e consciente necessidade de, ao elidir a falsa dicotomia entre uma pretensa “poesia pura” e uma pretensa “poesia social”, reapreender o curso do modernismo, abandonando agora o seu esvaziar proclamatório (que cumprira a sua função vanguardista), recusando, portanto, os dogmatismos doutrinários em que se exauria. (Lourenço 2010: 49)
Está implicada na poesia seniana, pois, uma propensão dialética que se manifesta intrínseca e extrinsecamente, residindo no núcleo de seu texto o desdobramento trinitário de se ultrapassar/suprimir (Aufheben), conservar/manter (Erhalten) e transfigurar/ transformar (Verklären) o objeto, orientando o movimento da suprassunção (Aufhebung). Esta operação permite que Sena seja capaz de fundir as mais distintas tendências literárias de seu tempo presente e anterior. Não obstante, esta dialética ganha dimensão em seu significado político, pois Sena subscreve a correta dimensão maiakovskiana de que, muito mais do que um espelho a refletir a realidade, a poesia é também um martelo que se oferece para forjá-la. Escrever não é para Sena um mero deleite comunicativo, uma simples expressão linguística alienada de tudo o que cerca um poeta que se sente no direito de reclusar-se em torres de marfim, mas sim a ratificação de um comprometimento ético com o mundo e com a elisão das formas de violência e barbárie que subjugam o gênero humano. No glossário seniano, este compromisso é selado pela fidelidade ao testemunho, ao testemunho de si, do outro, da história, permitindo que se arquive, pela linguagem, as memórias capazes de legar ao futuro — do qual se colherá a poesia transformadora e radical — a determinação dos que não se dobraram. Em meados de 1845, em Bruxelas, Marx lembrou em suas Teses sobre Feuerbach que “os filósofos apenas interpretaram o mundo de diferentes maneiras; o que importa é transformá-lo” (Marx 2007: 535). Jorge de Sena, na ocasião do prefácio de Poesia-I, reescreve a frase para os domínios da poesia:
É que à poesia, melhor que a qualquer outra forma de comunicação, cabe, mais que compreender o mundo, transformá-lo. Se a poesia é, acima de tudo, nas relações do poeta consigo mesmo e com seus leitores, uma educação, é também, nas relações do poeta com o que transforma em poesia, e com o acto de transformar e com a própria transformação efectuada — o poema —, uma actividade revolucionária. (Sena 1961: 11)
Nestes termos, é impossível empreender qualquer análise crítica do corpus seniano sem se manter leal ao princípio que repousa no coração de sua escrita: a praxis revolucionária. O grande sustentáculo em que esta poesia se ancora é o radical entendimento categorial de que “não existe uma ‘natureza humana’ abstrata, fixa e imutável […] mas que a natureza humana é o conjunto das relações sociais historicamente determinadas, ou seja, um fato histórico verificável, dentro de certos limites, com os métodos da filologia e da crítica” (Gramsci 2011: 56). É pela mediação da praxis coletiva e emancipadora que os sujeitos históricos transformam, simultaneamente, tanto o mundo como a si mesmos. O poeta confirma sua responsabilidade com esta filosofia e poética da praxis não só em textos teóricos e introdutórios como o supracitado, mas na constante e cotidiana atividade de escrita e militância. Tomemos de exemplo seu emblemático poema “Uma sepultura em Londres”, integrante de Peregrinatio ad Loca Infecta de 1969 — redigido, aliás, em seu exílio, na década de 60, em terras brasileiras. À moda brechtiana — que não se permite esquecer que as sete portas de Tebas, os jardins suspensos da Babilônia, os blocos maciços de calcário da muralha chinesa, os arcos do triunfo romanos, as conquistas militares prussianas, nada disso fora possível sem a presença e labuta silenciosa de uma massa inominada de escravizados e trabalhadores —, Sena procura lembrar e contrapor não só os altivos nomes grifados pela história hegemônica e dominante — aqueles “que se afogavam gritaram por seus escravos / Na noite em que o mar a tragou” (Brecht 2012: 166) —, mas os oprimidos que a construíram e protagonizaram verdadeiramente.
Somos então confrontados com as imagens sucessivamente elencadas de tradicionais personalidades históricas e literárias — Ramsés II, Cleópatra, Tai-Ping, Assurbanípal, Davi, Dom Pedro II, Sartoris de Memphis — contrapostas ao grupo que por eles é explorado: os escravos. Contudo, estes últimos, embora desde sempre oprimidos, humilhados, ofendidos, ainda possuem outro monumento e figura em quem se escorar, alguém que na gélida e nebulosa Londres oitocentista um dia se debruçou “sobre todas as dores do mundo” (Sena 1989: 60), se deu a tarefa de lutar mesmo sob pena da perseguição, expatriação e censura, e por isso “escreve artigos, panfletos, lê interminavelmente, / e toma notas, historiando infatigavelmente / até à morte” (ibidem). A imagem é a de Marx, e seu túmulo monumentalizado no cemitério de Highgate se esboça enquanto signo e síntese da esperança de uma revolução capaz de eclipsar e superar o processo ininterrupto de barbárie que a divisão entre opressores e oprimidos, em constante oposição, gerou: aquela revolução que “substituirá, esperando a sociedade sem classes, a preponderância de uma única classe que ainda tenha uma missão universal, por sofrer em sua carne todos os males da história, todos os males universais: o proletariado” (Césaire 2020: 76). A enérgica posição seniana de escovar a história a contrapelo, na e pela praxis poética, é o comburente que oxigena toda a vida e obra de um autor que, mesmo em meio ao despotismo salazarista, sabia da “tênue força messiânica a que o passado tem direito” (Benjamin 2022: 10), e, por tal, não rejeita o ânimo e a determinação herdada e acumulada pelos milhões de homens que, assim como ele, lutaram para ver a cor da liberdade antes da morte. Algo muito bem expresso em seus versos finais, que ecoam, novamente, a décima primeira tese marxiana a Ludwig Feuerbach: “um bastião do amor que nunca foi traído, / porque não há como desistir de compreender o / mundo. Os escravos sabem que só podem / transformá-lo. / Que mais precisamos de saber?” (Sena 1989: 61).
Já sabemos, então, do grande edifício ético-revolucionário que alicerceia e oferece substrato à poética seniana, mas é imprescindível compreendê-lo, também, nos termos de sua natureza estética. Assim como toda teoria do conhecimento pressupõe, mesmo que insipidamente, uma teoria do ser — isto é, toda epistemologia também denota uma ontologia latente —, toda preocupação ética é também orientada por uma preocupação estética. Em Jorge de Sena esta preocupação irrompe de uma peculiar maneira, umbilicalmente ligada com sua formação intelectual e artística, e modulada sob uma preocupação dialógica, intersemiótica, intermidiática e verdadeiramente ecfrástica. Enquanto um autor humanista — o que não se confunde, de forma alguma, com o humanismo liberal e colonial —, Sena se vê na tarefa de apreender e se apropriar de todas as manifestações culturais que se plasmaram no excurso histórico da humanidade, algo que não deixa de ser um signo de sua lealdade à uma condição humana emancipada e livre dos ditames abusivos do fascismo e das exigências do capital.
Algumas breves notas biográficas já nos permitem explicitar seu perfil intelectual: era um engenheiro de formação, e, por tal, versado nos detalhes da matemática, da geometria e da ciência; também um hábil pianista, educado musicalmente desde a tenra infância; não obstante, um professor, dedicado ao magistério, à pedagogia e à historiografia da literatura. Na sua poesia per se não é diferente: em seu Arte de Música, Sena compôs poemas sobre Mozart, Debussy, Schönberg e Edith Piaf; nas Metamorfoses, construindo quase que um palimpsesto pictórico, versou sobre pinturas de Van Gogh, Bronzino, Jean-Honoré Fragonard ou Goya — neste último, inclusive, mesclando elementos tradicionais do gênero epistolar; e mesmo em Exorcismos, a presença de nomes canónicos como Spinoza, Camões, Guido Cavalcanti ou Tomás Antônio Gonzaga jamais é irrelevante. Em todos estes múltiplos exemplos o que observamos é a presença de
um olhar analógico capaz de traduzir o testemunho do mundo expresso por outras linguagens, o espaço da abertura, do intervalo entre uma e outra, [que] passa a ser palco de um exercício de transfiguração poética em que o diálogo intersemiótico produz composições críticas e elementos oriundos de sistemas linguísticos distintos que se aproximam não apenas no nível da significação, mas também, em alguns casos, no âmbito morfológico, no plano mais evidente da potência significante. A poesia passa a atuar como espelho de outros espelhos, de outras formas de apreensão do mundo e de transformação do inefável em testemunho. (Salles 2009: 31)
No que tange o cinema, relação que este artigo se dedica a analisar, Sena não é diferente. Sua paixão pela cinematografia foi nutrida desde cedo, nos anos 1920, pela convivência com sua avó, e o hábito cinéfilo de frequentar salas, cafés e cineclubes nunca se perdeu. É salutar relembrar que provavelmente seu período de maior atividade crítica concernente aos filmes foi entre 1949 e 1955, quando redigiu uma série de escritos destinados a preceder as exibições promovidas pelo Jardim Universitário de Belas Artes (JUBA). Uma década depois de seu falecimento, sua companheira Mécia de Sena gentilmente organizou uma edição que compila estes textos e também acresce doutros períodos, tanto anteriores como ulteriores, e que revelam muito da postura e das predileções do poeta. Constam — neste verdadeiro inventário cinematográfico — comentários que perpassam Orson Welles, Billy Wilder, Fritz Lang, David Lean e Vittorio de Sica, assim como aguçadas percepções sobre a maneira elíptica de Jean Cocteau ou o reductio ad essentialis das comédias de Chaplin. Em todo caso, Sena era da posição intransigente de que “quase não há filme que não mereça ser observado, excluídos aqueles que, é claro, repetem à saciedade o que já fora repetido noutros anteriores” (Sena 1988: 133), ou seja, de que a maior virtude de uma boa película reside em sua capacidade experimental, inédita e inovadora, transpondo incessantemente seus próprios limites.
Tendo todos estes elementos em vista, o presente artigo objetiva analisar a aguda relação entre poesia, cinema e política na obra seniana, tomando como corpus de estudo dois exemplares deste laço poético-cinematográfico: os poemas “Couraçado Potenkim” e “À memória de Kazantzakis, e a quantos fizeram o filme Zorba the greek”, oriundos, respectivamente, das películas homônimas de Sergei Eisenstein e Michael Cacoyannis. Metodologicamente, iremos nos valer da análise pormenorizada dos poemas em paralelo com reflexões intuídas da observação dos filmes — aliados, evidentemente, de um ferramental teórico consistente no que diz respeito aos temas abordados. O grande mérito e justificativa deste estudo pensamos ser tanto contribuir para a crítica especializada seniana no assunto — do qual é imprescindível a contribuição de autores como Luciana Salles, Dora Gago e Emmanoel Santos —, mas também alargar e instigar mais pesquisas comparativas entre o cinema e a poesia do autor — por exemplo, sobre seu livro O Físico Prodigioso e o filme Les Visiteurs du soir, de Marcel Carné.
O cinema na poética seniana: o couraçado que atravessa a esquadra e o bufão que dança na Grécia
De antemão, é salutar frisar que, ao se propor um estudo comparativo acerca das intersecções e relações entre literatura e cinema, tendo como corpus de análise filmes e os poemas dele derivados, não se deve enveredar no caminho do julgamento valorativo entre uma linguagem e outra. Tanto literatura quanto cinema devem ser compreendidas enquanto mídias que possuem especificidades no trato de comunicar uma mensagem e construir seus sentidos, que seguem um conjunto de pressupostos internos e possuem mecanismos próprios e típicos do seu domínio; mas que, evidentemente, se inter-relacionam das formas mais diversificadas, visto que estão igualmente inseridas num universo midiático compartilhado. O cinema, ao contrário de artes como a poesia, por exemplo, não possui uma origem arcaica, mas é uma forma completamente derivativa da sociedade capitalista, de consumo e industrial, o exemplo mais concreto de “obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”; ou seja, não carrega uma aura imanente de si mesma, mas pode ter seu conteúdo reproduzido de forma virtualmente infinita. Uma película cinematográfica, já nascida neste contexto de modificação da relação do público com a arte, tem possibilidades narrativas muito peculiares. Ora, o filme, por um lado, é aquela arte que
aumenta a compreensão das coerções que regem nossa existência – por meio de close-ups, enfatizando detalhes escondidos em objetos de cena correntes, por meio da investigação de ambientações banais sob a liderança genial da objetiva – por outro, ele nos assegura um campo de ação monstruoso e inesperado (Benjamin 2019: 87)
Pelo cinema as fronteiras entre tempo e espaço se apagam e seus limites se fluidizam. O espaço ganha caráter de tempo, e o tempo, em certo nível, de espaço. Se no teatro e na dramaturgia, por exemplo, o espaço é necessariamente imóvel, imutável, findável, homogêneo e indirecionável, no cinema ele se dinamiza em alto grau; se na literatura o tempo convencionalmente mantém uma linearidade e desenvolvimento ininterrupto, no cinema ele pode ser interrompido, suprimido, invertido, rememorado ou avançado. Tudo isto marca, nas palavras de Marleide Anchieta de Lima, “uma revolução nas formas de percepção, comunicação e interação entre os sujeitos” (2015: 58). Não obstante, para além de suas virtuosidades estéticas supracitadas, aquilo que definitivamente mais faz do cinema uma arte revolucionária – inclusive compreendida por Lênin, numa conversa com Anatóli Lunatcharski, como “para nós a arte mais importante” – repousa no fato seguinte:
O filme corresponde à primeira tentativa, desde o início da nossa civilização individualista moderna, para produzir arte para o público em massa. Como se sabe, as mudanças na estruturação do público de teatro e do público que lê, relacionadas, no princípio do século passado, com o surgir da peça de boulevard e da novela de folhetim, constituíram o verdadeiro início da democratização da arte que atinge a sua culminação na concorrência em massa dos cinemas. (Hauser 1982: 1140)
Isto é, está entalhada no cinema, desde sua origem, uma inegável verve coletiva e popular — desde a sua efetiva produção em equipe, até sua distribuição e reprodução públicas num momento anterior aos streamings ou à televisão — não passível de ser desprezada. Toda essa multiplicidade de elementos e determinações levaram uma pletora de poetas a repensarem, à luz dessa nova arte e mídia que se desenvolvia, as possibilidades de adaptação, citação ou hibridização. No caso específico da poesia portuguesa, destacam-se figuras como Eugénio de Andrade, Mário Cesariny, Alexandre O’Neill, Gastão Cruz, Ruy Belo, Manuel António Pina, Adília Lopes e outros:
São muitos os poemas que falam de filmes, clássicos ou não, do acto de filmar, das salas de projeção, das divas do cinema, de realizadores […] e também são muitos os exemplos de poemas que partem de imagens muito concretas, extraídas de obras cinematográficas específicas, poemas que têm uma dimensão ecfrástica e descrevem planos ou sequências fílmicas identificáveis. (Martelo 2016: 12)
A poética-cinematográfica seniana se enquadra neste último tipo, e embora possamos adicionar o poema “Filmes pornográficos” — integrante do livro Conheço o Sal… e outros poemas, de 1974 — à lista de exemplares desta categoria, os que melhor traduzem a relação entre poesia, cinema e política são os já citados “Couraçado Potemkin” e “À memória de Kazantzakis, e a quantos fizeram o filme Zorba the greek”. O primeiro é originalmente pertencente à coletânea Peregrinatio ad Loca Infecta, mas por complicações e impossibilidades editorais da época, passou a integrar Poesia-III. O autor relembra, em nota:
Este poema deveria ter feito parte desta colectânea Peregrinatio ad loca infecta, a que por todas as razões e mais uma pertencia. Mas houve que retirá-lo do original, por de impossível publicação naquela época. O poema foi escrito logo após a tremenda impressão que me causou ver pela primeira vez o filme de Eisenstein. Tendo em várias oportunidades visto antes alguns dos “clássicos” russos, nunca tivera ocasião de ver este. Foi em São Paulo, numa matinée, naquele mesmo dia, com Casais Monteiro que também, se me não engano, o não vira nunca. Se me permitem acrescentar, eu em 1961 tinha já dois anos de exílio no Brasil, e os tempos iam feitos para as nossas esperanças democráticas em Portugal. O poema reflecte, pois, não só aquela impressão que o filme causa como obra de arte, que é panfleto, e vice-versa (coincidência tão rara), mas também o estado de espírito naquela época. (Sena 1989: 249)
A exibição teria sido emblemática e disruptiva não só por permitir a Sena ter acesso a mais um dos grandes nomes da cinematografia soviética — junto de Aleksandrov, Pudovkin, Dziga Vertov ou Kulechov — , mas porque se confundia, em certa medida, com as próprias esperanças democráticas de Sena para Portugal. De fato, inúmeras “tentativas de sublevações militares localizadas, protestos de rua que redundavam em verdadeiras batalhas campais e greves ocorreram durante os anos de 1961-62” (Secco 2005: 23), assim como o início da guerra colonial portuguesa em África que gestava, progressivamente, a crise da administração salazarista-marcelista. A conjunção destes elementos parecia abrir uma fresta para uma iminente revolução ou no mínimo redemocratização nacional que, para Sena, estavam condensadas e antecipadas no filme russo de 1925.
Do que trata, contudo, a película? Encouraçado Potemkin é uma película dirigida por Sergei Eisenstein e se insere como uma obra terminantemente propagandística do Estado Soviético, lançada em 1925 sob encomenda da comissão encarregada de comemorar a Revolução de 1905. O filme representou para a cinematografia emergente um marco histórico no que tange tanto a renovação estética do cinema quanto a sua dupla capacidade de refletir a História e de reverberar no seu devir, sobretudo quando temos em mente o coração do cinema eisensteiniano: a montagem. Eisenstein foi aluno de Lev Kuleshov — afamado por descobrir o efeito que leva seu nome e atestar que são a sequência e a montagem das imagens que, em último nível, produzem significação a um filme — e herda diretamente a concepção de seu professor acerca do cinema, assinalando em A Forma do Filme que “a cinematografia é, em primeiro lugar e antes de tudo, montagem” (Eisenstein 2002: 35). Não só herda, como expande a teoria da montagem, incorporando a dialética marxista em sua filmografia. Para Eisenstein, através do corte e do confronto, bem como das junções, interpenetrações e desdobramentos de planos com sentidos opostos, geram-se sempre um conceito, um sentido e uma qualidade radicalmente novos, frutos dessa justaposição. Para o diretor soviético, dois planos diferentes e contrários, em análise isolada e individual, representam apenas eles mesmos. Contudo, será a sua fusão e associação que irá gerar uma nova terceira imagem nos meandros da psique humana. O trabalho artístico do diretor é, portanto, organizar essas imagens dentro dos sentimentos e dos afetos da mente humana, realizando uma montagem que é, em seus paradigmas, conflito.
O filme, inspirado num acontecimento real, retrata um contexto histórico-geográfico bastante específico: o da Rússia czarista no início do século XX, mais especificamente no ano de 1905. Isto é, quando o país ainda era predominantemente agrário e semifeudal, com o clero ortodoxo e a aristocracia rural possuindo o controle da propriedade da terra e sendo regido por um governo autocrático marcado pela centralização do poder nas mãos do Czar Nicolau II. Por tal, a nação enfrentava uma crise política sem precedentes, que, aliada ao desempenho falho e desastroso das forças armadas na guerra contra o Japão, suscitou uma série de mobilizações populares, como manifestações, greves e revoltas, duramente reprimidas pelo Estado, tanto no vasto âmbito campesino, quanto nos espaços urbanos. O motim da tripulação do navio de guerra Potemkin, que compunha a frota russa no Mar Negro, integra uma das várias revoltas do ano de 1905: os marinheiros de baixa patente na hierarquia naval russa, vivendo sob condições degradantes — por exemplo, se alimentando de carne podre —, insurgem-se contra os oficiais encarregados do comando do navio. Deste evento, Eisenstein compõe seu filme.
A película propõe-se representar o processo revolucionário. Não por acaso, o filme se inicia num intertítulo com a declaração de Lênin de que a revolução é guerra, a única legítima, justa e grande, que a história já conheceu. A primeira parte estabelece os aspectos principais que levam à insurreição dos marinheiros. Os vemos dormindo em redes e sendo escorraçados por seus oficiais, sendo obrigados a se alimentar de carne podre infestada por vermes, realizando as atividades cotidianas nevrálgicas para o funcionamento do navio — como limpar os canhões, lustrar os móveis ou limpar os pratos e talheres.
A nível imagético, o filme é brilhante em explorar a dicotomia hierárquica que permeia as relações dentro do encouraçado. Na segunda parte, por exemplo, o rígido e frio capitão ocupa um papel evidentemente ditatorial — sendo mostrado em planos fechados, vociferando de forma autoritária num palanque e sendo filmado num ângulo baixo, atestando sua imponência — que pretende suprimir a tentativa de uma revolução e, por tal, impedir uma transformação radical dos alicerces da sociedade. Ele e os oficiais de alta patente do navio não se sensibilizam com a realidade dos marinheiros e tampouco são misericordiosos, respondendo à revolta com mão-de-ferro. Isso deixa transparecer outra ideia fulcral: a de que os opressores, enquanto classe, não abdicam voluntariamente de sua posição de poder, mas agem em prol de conservá-la. O dilema do pelotão de fuzilamento insere-se para discutir o papel que a própria classe trabalhadora ocupa enquanto agente dos interesses de seus algozes e opressores, dilema esse que só é superado através da empatia e do reconhecimento do outro e das coisas que lhes aproximam. A mensagem final junto ao cadáver do revolucionário Vakulinchuck funciona para atestar não a banalidade da causa, mas a irracionalidade da miséria que levou ao fim de sua vida: um prato de sopa digno, algo que deveria ser seu direito, foi o estopim de sua morte.
Mediante tudo isto, é nítido como Eisenstein em certa medida se propôs miniaturizar a revolução socialista neste âmbito particular, naval. No contexto fílmico, onde os marinheiros estão numa situação limite, na iminência do ataque e da destruição do navio, observamos como ressaltam-se os sentimentos de camaradagem e companheirismo entre os indivíduos. No ambiente do encouraçado, os homens não se oprimem e tampouco se exploram, participam em comunidade das tarefas materiais necessárias para proteger seu lar e seus companheiros — a quem, nos momentos de angústia, confortam e acalentam. Diante desse paradigma, as sequências finais surgem para sublinhar esse sentimento e expandi-lo, pois o hastear das diversas bandeiras, bem como o pedido de adesão à causa, retrata a ideia de internacionalização da revolução, da compreensão de que o relacionamento e a experiência humana não se restringem a fronteiras delimitadas para afastar aqueles que comungam de realidades e vivências próximas, senão iguais. A esquadra, que se mostra o inimigo último do Potemkin, era composta por sujeitos cuja existência perpassava cotidianamente as mesmas experiências dos marinheiros revolucionários, e é a consciência disso que os leva a tentar evitar um confronto.
Encouraçado Potemkin é uma obra que tenta conjurar o espírito de uma Revolução para um contexto localizado, que procura organizar afetos e propor uma forma quase poética de fazer cinema, visto que o próprio Eisenstein dissera que sua sequência de montagem se assemelhava ao “mesmo cuidado usado para colocar uma linha de poesia num poema, ou para colocar cada átomo musical no momento de uma fuga” (Eisenstein 2002: 114). Da contemplação desta obra e dos múltiplos sentidos que dela emergem, Jorge de Sena irá escrever seu poema:
Entre a esquadra que aclama
o couraçado passa.
Depois da fila interminável que se alonga
sobre o molhe recurvo na água parda,
depois do carro de criança
descendo a escadaria,
e da mulher de lunetas que abre a boca em gritos mudos,
o couraçado passa.
A caminho da eternidade. Mas
foi isso há muito tempo, no Mar Negro.
Nos cais do mundo, olhando o horizonte,
as multidões dispersas
esperam ver surgir as chaminés antigas,
aquele bojo de aço e ferro velho.
Como os vermes na carne podre que
os marinheiros não quiseram comer,
acotovelam-se sórdidas na sua miséria,
esperando o couraçado.
Uns morrem, outros vendem-se,
outros conformam-se e esquecem e outros são
assassinados, torturados, presos.
Às vezes a polícia passa entre as multidões,
e leva alguns nos carros celulares.
Mas há sempre outra gente olhando os longes,
a ver se o fumo sobe na distância e vem
trazendo até ao cais o couraçado.
Como ele tarda. Como se demora.
A multidão nem mesmo sonha já
que o couraçado passe
entre a esquadra que aclama.
Apenas, com firmeza, com paciência, aguarda
que o couraçado volte do cruzeiro,
venha atracar no cais.
Mas mesmo que ninguém o aguarde já,
o couraçado há-de chegar. Não há
remédio, fugas, rezas, esconjuros
que possam impedi-lo de atracar.
Há-de vir e virá. Tenho a certeza
como de nada mais. O couraçado
virá e passará
entre a esquadra que o aclama.
Partiu há muito tempo. Era em Odessa,
no Mar Negro. Deu a volta ao mundo.
O mundo é vasto e vário e dividido, e os mares
são largos.
Fechem os olhos,
cerrem fileiras,
o couraçado vem.
(Sena 1989: 53-54)
A primeira estrofe do poema seniano rememora as cenas finais do filme de Eisenstein, projetando, em retrospectiva, alguns dos eventos e elementos iconográficos memoráveis da película, como o navio revolucionário passando por entre a esquadra e cortando os navios outrora inimigos, agora adeptos da rebelião; a fila gigantesca de pessoas se reunindo no paredão marítimo para prestar luto ao marinheiro assassinado; o célebre carrinho de bebê que desce as escadarias sangrentas de Odessa; e mesmo a mulher que incita à revolta no cais da cidade. Sena constata a passagem do navio e sua consagração na História, que caminha rumo à eternidade. Contudo diz tratar-se de um evento longínquo ocorrido no Mar Negro: neste momento, o eu lírico, além de resgatar imagens representativas do filme e assim possibilitar ao leitor a memória simbólica do navio enquanto agente revolucionário, utiliza um expediente da própria linguagem cinematográfica para firmar uma metáfora. Ao dizer da mulher que “abre a boca em gritos mudos”, ele se vale da limitação técnica do cinema de até então – que não capturava o áudio e transmitia as falas por meio de intertítulos – para expressar o sofrimento silencioso e indizível da personagem, que agora se faz ouvida por meio da poesia. Não obstante, a consagração histórica do navio reflete, simultaneamente, a consagração histórica da Revolução Russa de 1917, ao passo que atestar a sua dimensão passada (“foi isso há muito tempo”) reflete de forma subliminar a necessidade de um evento igual no presente.
Prosseguindo, na segunda estrofe, Jorge de Sena começa a agir num movimento em que, estabelecidos os aspectos marcantes do filme e revigorada a sua simbologia, há a sua transposição para o contexto dos povos oprimidos do mundo. O primeiro verso já tangencia que há uma pluralidade internacional de experiências e aspirações, pois, nos cais de todo o mundo, multidões desconexas almejam ver “surgir as chaminés antigas, / aquele bojo de aço e ferro velho”, ou seja, esperam a chegada do encouraçado e, com ele, da Revolução. O signo revolucionário do encouraçado enquadra-se então como o horizonte de transformação radical da sociedade para os povos injustiçados e escorraçados do mundo, que projetam no navio sua redenção e salvação. Nos versos finais, Sena parece destacar a condição de miséria na qual eles se encontram, comparando-os não com os marinheiros, mas com os vermes degradados e comprimidos que eles não quiseram comer. Todavia, não lhes retira a sua resistência e resiliência, ao contrário, reitera suas esperanças com a chegada do encouraçado. Não obstante, em contraste com a visão esperançosa exposta, Sena introduz, na terceira estrofe, os paradigmas de violência, repressão e desunião que se apresentavam no contexto histórico global, marcado pela proliferação de ditaduras, pelo morticínio em massa e pelo cerceamento da liberdade. O poeta destaca o assassinato, a prisão e tortura de uns, bem como a traição, a conformação e o esquecimento de outros; salienta a violência policial que dispersa as multidões e encarcera os insurrectos. Contudo, ao final, insiste na existência daqueles que almejam um futuro digno e de liberdade; se mantém convicto de que há aqueles que tentam enxergar, mesmo numa conjuntura tétrica, o horizonte de chegada do encouraçado.
Ainda discutindo as faces da determinação diante da distopia, Sena relembra que a chegada do encouraçado se prolonga, se demora, e, enquanto isso, a catástrofe se manifesta e ruínas vão, incansavelmente, acumulando-se nos nossos pés. O desespero emerge e a multidão, outrora eufórica, sequer consegue projetar a vinda do encouraçado por “entre a esquadra que aclama”. Todavia, será somente a paciência ininterrupta, a resistência frente à adversidade e à firmeza diante do autoritarismo que irão manter a chama da revolução acesa e o sonho de um futuro melhor. Sena, permeado de um olhar profundamente esperançoso na dimensão humana, destacará, na estrofe seguinte, que, ainda que a luz da esperança se apague e ninguém mais almeje a chegada do encouraçado, ele certamente chegará, atravessará os mares turbulentos da guerra, contornará as ameaças, e não haverá quaisquer “remédios, fugas, rezas, esconjuros / que possam impedi-lo de atracar”. E conclui narrando a partida do encouraçado do Mar Negro, que banha Odessa, para os mares largos do vasto e diverso mundo, expondo que a revolução proletária atingiu dimensões transnacionais, visto que, na altura da escrita do poema, em 1961, já havia se manifestado, por exemplo, em Cuba, na China e na Coréia.
O poema de Sena, em suas próprias palavras, é um reflexo não só da impressão estética que o escritor teve do filme, reconhecido por ele mesmo como panfletário, mas uma espécie de estado de espírito da sua época. O encouraçado ocupa, narrativamente, o símbolo da transformação social iniciada na Rússia no século XX e que representou para os povos arrasados pelo colonialismo, brutalizados pelo imperialismo, reprimidos pelo fascismo ou dilacerados pelo capitalismo, uma possibilidade de mundo diferente. É um poema que oscila “entre a evocação de imagens do filme e a digressão, entre a evocação e a invenção de novas relações, entre a exploração da carga simbólica das imagens eisensteinianas e a meditação sobre o presente, entre o que já aconteceu (e foi visto) e a promessa do que há de ser (o que ainda deverá ser pensado a partir do testemunhado)” (Marques 2022: 244). Jorge de Sena, que alcançou sua maturidade enquanto testemunhava uma brutalidade genocida sem precedentes por todo o mundo, vendo o fascismo ascender no seu país e em diversos outros da Europa, observando o início de uma guerra que desestabilizou para sempre os alicerces da humanidade, assistindo às crises e contradições do capital pelo mundo e vendo a condição humana sendo rebaixada e tratada com um desprezo inigualável, fez de sua poesia uma resposta à barbárie.
Zorba, o Grego, por sua vez, é um filme lançado em 1964 sob a direção de Michael Cacoyannis, sendo inspirado no livro homônimo de Nikos Kazantzakis, tido por muitos como um dos maiores – senão o maior – escritor grego do século XX. O filme se propõe narrar a trajetória de Basil, escritor britânico de poesia e ensaios que, passando por uma crise criativa, decide ir para Creta, terra natal de seu pai. Em função de uma grande tempestade que atrasa sua embarcação rumo à ilha helênica, o escritor conhece Alexis Zorba, um grego simples, alegre, entusiasmado e ora rude, que, simpatizando com Basil, pede que ele o leve junto consigo em sua viagem. O intelectual europeu, a fim de reativar a mina de linhita de seu pai, encarrega Zorba de chefiar os trabalhadores; contudo, ao decorrer da trama, para além da dicotomia patrão/empregado, eles se tornam bons amigos.
A película explora, pelo desenvolvimento da relação de Basil e Zorba, maneiras dicotômicas de se viver. Os momentos iniciais do filme traduzem de forma excepcional as personalidades das personagens. Basil se mostra um homem intelectual, contido, disciplinado e elegante, que protege seus livros da chuva, e, ao chegar a um abrigo, lê-os serenamente. Zorba, que já anuncia ser chamado de “Spaghetti” por ser muito alto, de “Califórnia” por ter ido aos EUA e de “epidêmico” por trazer o caos por onde passa, em contrapartida, é um homem simples, expressivo, agitado e até grosseiro, que gargalha com a reação instintiva do escritor em proteger as caixas com livros, e, mesmo sem nunca o ter conhecido, pede-lhe um cigarro e sua companhia na viagem rumo a Creta, desprezando as razões e os porquês. Decisões sutis transmitem aspectos de suas individualidades, como Basil, à moda anglófona, pedir um chá, enquanto Zorba, imediatamente, pede um rum. Basil é intransigente, deseja reabrir a mina não por vontade própria, mas por entendê-lo enquanto seu dever; Zorba, questionado sobre tocar seu santouri — um instrumento musical de cordas típico da região — expressa seu desejo de ser livre e não possuir donos.
A película, não obstante, se mostra extremamente consciente em trazer à tona discussões sociopolíticas enquanto opera neste movimento de representar a relação díspar das personagens. Em dado momento, quando a mina é primeiramente aberta e Zorba adentra os túneis para verificar as condições e então retomar a atividade, a terra começa a desmoronar sobre suas cabeças e a atitude instintiva dos trabalhadores é fugir. Zorba retorna furioso com a covardia dos mineradores, gritando acerca do custo dos machados perdidos na fuga dos homens; e Basil lhe responde que felizmente ninguém morreu e que ele deveria dispensá-los. A reação de Zorba é questionar se o chefe vai ser ou não um “maldito capitalista”. Neste momento, se delimita um contexto de classe até então invisibilizado na trama, onde Zorba se mostra como um evidente proletário incapaz de conceber uma atitude de compaixão do patrão para com seus trabalhadores. Mesmo imageticamente a construção Zorba/trabalhador e Basil/burguês se consolida, basta ver as roupas vestidas por cada um: Zorba, com a cara manchada de fuligem, utilizando uniforme e macacão; Basil, de suéter.
Noutro momento, após Zorba usar a frase de um turco, Basil questiona o grego, dizendo achar que seu povo não falava com os turcos, somente lutava contra eles. O escritor britânico pergunta em tom irônico sobre a presença do amigo na guerra. Ele responde achar tais conversas idiotas e Basil retruca perguntando o que há de idiota em lutar por seu país. O grego diz que a fala e o pensamento teórico do amigo, reflexos de sua intelectualidade, podem até transmitir algo, mas a falta da prática efetiva, da vivência concreta da guerra, o tornam incapaz de compreender a verdadeira dimensão do conflito de que fala e a razão de ele o achar uma tolice. Quando acusado de não se importar com seu país, Zorba abre a camisa, mostra as cicatrizes no peito e salienta não haver nenhuma nas costas, reflexo de sua determinação e coragem em nunca fugir. Vocifera ter feito coisas pelo país que o arrepiariam, diz ter matado, incendiado vilarejos e estuprado mulheres, sendo idiota a esse ponto. Agora, depois da velhice, sabe discernir a bondade da maldade dos indivíduos, e não mais os julga por sua nacionalidade.
Esta discussão consolida, na trama, como as diferentes posturas diante da realidade são reflexos da vivência empírica pretérita das personagens e fruto do contexto social e histórico por elas ocupado. Basil é um jovem intelectual britânico que, condicionado a uma experiência meramente teórica, julga compreender a totalidade do conflito e, por tal, enxerga-o como um evento simples, digno e moral, que se resume em proteger seu país e lutar pela honra da sua pátria, algo impensável de ser entendido como estúpido. Zorba, velho grego que provavelmente alcançou sua juventude enquanto eclodia a Guerra Grego-Turca, participou de massacres, empreendeu chacinas, destruiu cidades e violentou mulheres, tudo em razão de um inimigo abstrato e pelo acatamento de ordens superiores, sabia o que aquilo representava para a humanidade e entendia sua imbecilidade. A discussão dos dois salienta os limites da compreensão teórica, bem como expõe o papel que a origem e o privilégio ocupam na construção de um entendimento deficitário do mundo.
O filme ainda projeta críticas assíduas e irônicas à religião, como quando Zorba coloca vinho e uma cruz de madeira numa jarra, sendo tal imediatamente entendido pelos monges ortodoxos como um milagre. Contudo, a crítica mais evidente do filme se mostra no evento da morte da viúva inominada. A viúva, sempre presente na janela de sua casa, era cobiçada, cortejada e desejada por todos os homens do vilarejo — embora os recusasse, o que lhes incitou um profundo ódio. O único homem pelo qual ela nutriu algum afeto foi o recém-chegado Basil, com quem tem relações sexuais à noite. Um jovem que fora outrora apaixonado pela viúva, descobrindo sua relação com o estrangeiro, se mata, afogando-se no mar da Grécia. E a partir de então, os homens do vilarejo iniciam uma cruzada sem tamanho contra a mulher, culpando-a pela morte do garoto e indo até sua casa para a hostilizar, ameaçar, humilhar e apedrejar. Na missa em memória do jovem, a viúva vai rumo à igreja prestar-lhe luto; e enquanto o coral canta um hino religioso, os homens a cercam, apedrejam, violentam e assediam. Zorba, por fim, surge em seu resgaste, mas, em um descuido, ela é degolada. Basil questiona sua própria inação e Zorba se pergunta por que as pessoas e os jovens morrem, se revoltando com a falta de respostas dos livros do amigo.
A mensagem crítica desses eventos é fundamental, pois, por mais misógino que o filme seja em dados momentos – como nos recorrentes assédios de Zorba a Madame Hortense, ou a sua ideia de uma fragilidade feminina —, estes acontecimentos pretendem denunciar a bárbara atitude daqueles homens frente à rejeição amorosa. Os homens do vilarejo, com seu olhar patriarcal, veem aquela mulher como um objeto destinado a suprir seus desejos e a acatar seus pedidos, e não como uma pessoa que, em sua dignidade, tem o direito e a liberdade de lhes negar a relação. Por isso, a sua insistente recusa nutre neles o ódio e a decepção, com a qual não sabem lidar, culminando no suicídio do jovem. Ainda presos àquele olhar, a reação natural dos homens é culpabilizar a mulher por não corresponder aos seus anseios.
Mediante esses aspectos, o elemento primordial para a construção de sentidos do filme é a dança. A dança ocupa, no paradigma de Zorba, uma forma de expressão do seu estado de espírito interior; é um movimento de liberdade do indivíduo que o ajuda na cura e na superação de seus traumas e no expurgo do sofrimento, visto que foi a maneira pela qual conseguiu lidar com a dor da morte do filho: é a manifestação da vitalidade e da rejuvenescência, o que lhe permite, mesmo velho, recuperar seu vigor e sua alegria pela vida, e por tal, mesmo quando está feliz, dança. Considerando-o exteriorização da alegria e representação de um entendimento mais sensível da realidade, o ato de dançar frente às adversidades parece para todos um ato de loucura, o que se comprova no filme com a feição assustada de Basil e sua atitude silenciadora. O espanto de Basil se confunde com uma certa admiração, um certo almejo daquela compreensão furiosa, embora acalentadora, da vida. Por isso, em dado momento do filme, ele tentará dançar na solidão de seu quarto. Tais reflexões sobre a dança irão culminar nos momentos derradeiros do filme, onde após o fracasso monumental do teleférico projetado por Zorba, num ato de despedida, ambos brindam por suas saúdes e o grego revela que, sem um pouco de loucura, um homem jamais poderá se soltar e ser livre. Basil, enfim, pede que o amigo o ensine a dançar, e ambos riem de suas desgraças, enquanto bailam nas areias daquela histórica ilha do Peloponeso.
Já o poema “À memória de Kazantzakis, e a quantos fizeram o filme Zorba the Greek” foi escrito por Sena um ano após o escritor português se exilar nos EUA — não por acaso integra a secção “Estados Unidos da América” de Peregrinatio ad Loca Infecta — visto a impossibilidade de permanecer no Brasil que, em 1964, se encontrava diante de uma ditadura extremamente repressiva a indivíduos e grupos de esquerda, assim como a artistas e poetas. Sena manifesta um afeto e uma dívida com o cretense Kazantzakis, um escritor prolífico, comprometido, que teve o exílio, a errância e a viagem como pontos nodais de sua vida, sempre manifestando uma preocupação política e existencial que o levou à perseguição, condenação e mesmo indexação pela Igreja Católica como autor proibido. Sabendo do histórico do autor grego e assistindo à película que adapta um de seus livros, Sena escreverá, quase uma década após o falecimento de Kazantzakis, um poema em sua memória:
Deixa os gregos em paz, recomendou
uma vez um poeta a outro que falava
de gregos. Mas este poeta, o que falava
de gregos, não pensava neles ou na Grécia. O outro
também não. Porque um pensava em estátuas brancas
e na beleza delas e na liberdade
de adorá-las sem folha de parra, que
nem mesmo os próprios deuses são isentos hoje
de ter de usar. E o outro apenas detestava,
nesse falar de gregos, não a troca falsa
dos deuses pelos corpos, mas o que lhe parecia
traição à nossa vida amarga, em nome de evasões
(que talvez não houvesse) para um passado
revoluto, extinto, e depilado.
Apenas Grécia nunca houve como
essa inventada nos compêndios pela nostalgia
de uma harmonia branca. Nem a Grécia
deixou de ser – como nós não – essa barbárie cínica,
essa violência racional e arguta, uma áspera doçura
do mar e da montanha, das pedras e das nuvens,
e das caiadas casas com harpias negras
que sob o azul do céu persistem dentro em nós,
tão sórdidas, tão puras – as casas e as harpias
e a paisagem idem – como agrestes ilhas
sugando secas todo o vento em volta.
E que não só persistem. Porque as somos:
ou tendo-as circunstantes, ou em faces, gestos,
que vão do Atlântico ao Mar Negro, ou vendo-as
não só em sonhos, mas nesta odisseia
de quem, como de Ulisses, uma vida inteira
é qual regresso à pátria demorado
para que apenas de velhice ainda a aceitemos.
Na Grécia todavia, e mais que em Grécia Creta,
isso que somos regrediu. Distância
muito maior existe em ter ficado igual
num mundo que mudou, e em ter ficado o mesmo,
vivendo como de hoje, entre as antigas pedras
guardando em si o mugir do Minotauro
(e os gritos virginais das suas vítimas),
que, em como nós, não ter nascido ali
mas onde apenas derradeiros gregos
vieram.
Por isso, este vibrar de cordas que é uma dança de homens
saltando delicados em furioso êxtase
perante a própria essência de estar vivo
(ó Diónisos, ó Moiras, ó sinistras sombras)
nos fascina tanto. O que é profundo volta,
o que está longe volta, o que está perto é longe,
e o que nos paira n’alma é uma distância elísia.
No lapidar-se a viúva que resiste aos homens
para entregar-se àquele que hesita em possuí-la
e a quem, Centauro, Zorba dá conselhos de
viver-se implume bípede montado
na trípode do sexo que transforma em porcos
os amantes de Circe, mas em homens
aqueles que a violam; nesta prostituta que,
sentimental, ainda vaidosa, uma miséria d’Art Nouveau
trazida por impérios disputando Creta,
será na morte o puro nada feminino que as harpias despem;
e neste Zorba irresponsável, cru, que se agonia
no mar revolto da odisseia, mas
perpassa incólume entre a dor e a morte,
entre a miséria e o vício, entre a guerra e a paz,
para pousar a mão nesse ombro juvenil
de quem não é Telémaco – há nisto,
e na rudeza com que a terra é terra,
e o mar é mar, e a praia praia, o tom
exacto de uma música divina. Os deuses,
se os houve alguma vez, eram assim.
E, quando se esqueciam contemplando
o escasso formigar da humanidade que
tinha cidades como aldeias destas, neles
(como num sexo que palpita e engrossa)
vibrava este som claro de arranhadas cordas
que o turvo som das percussões pontua.
Deixemos, sim, em paz os gregos. Mas,
nus ou vestidos, menos do que humanos, eles
divinamente são a guerra em nós. Ah não
as guerras sanguinárias, o sofrer que seja
o bem e o mal, e a dor de não ser livre.
Mas sim o viver com fúria, este gastar da vida,
este saber que a vida é coisa que se ensina,
mas não se aprende. Apenas
pode ser dançada.
(Sena 1988: 528-531)
A primeira estrofe expõe de forma clara qual será a tônica central do poema: “deixa os gregos em paz”. O eu-lírico vai se referir à conversa de um poeta com um outro, que, dado a inspiração no filme de Cacoyannis, remete imediatamente a Basil e Zorba. O poeta, de origem e educação ocidental, concebe uma imagem idílica e utópica da Grécia, pensa num de seus ícones mais aclamados — as estátuas de mármore branco cuja nudez não é censurada pela autoritária folha de parra que “nem mesmo os próprios deuses são isentos hoje / de ter de usar”. Já o outro, este sim grego, detesta essa fala de tom sacramentando em torno de uma Grécia perfeita e monumental. Acredita repousar nessa concepção uma traição à amargura da vida cotidiana na qual está inserido, que tenta reconstruir e criar um passado pleno, agora já delapidado, profanado, extinto e não mais alcançável.
Prosseguindo, logo nos primeiros versos da segunda estrofe, já se conjectura que a Grécia idônea contida nos anais e compêndios da História é uma invenção nascida de um sentimento nostálgico do Ocidente com uma realidade harmoniosa que jamais vivenciou. A Grécia e esse mesmo Ocidente, na visão do eu lírico, nunca deixaram de ser civilizações bárbaras, que expressaram sempre uma violência contínua e racional, mas que continham ainda suas belezas naturais, sendo “uma áspera doçura / do mar e da montanha, das pedras e das nuvens, / e das caiadas casas com harpias negras que sob o azul do céu persistem dentro de nós”. A Grécia é entendida em sua dimensão plural, que é rica em beleza, mas que, ainda assim, possui suas harpias negras espreitando num céu azul. Numa superação de um certo dualismo empobrecedor, que só vê as facetas da natureza humana de forma unidimensional e maniqueísta, Jorge de Sena constata que, se somos herdeiros da civilização grega tal qual reivindicamos, ainda persistem dentro de nós suas purezas e sordidezes, suas maravilhas e contradições.
Adiante, na terceira estrofe, se fala não só da persistência, mas de nossa existência enquanto reflexo direto dessas ideias e paradigmas historicamente herdados. Eles circunscrevem o nosso cotidiano; se manifestam nas nossas singelas feições e gestos; atingem as terras banhadas desde o Atlântico ao Mar Negro; e possuem sua esfera tanto onírica como cultural. Na quarta estrofe, o eu lírico profere haver uma conjuntura regressiva e estática em torno da idealização dessa Grécia. As distâncias se ampliam nesta tentativa de manter-se igual à Grécia sonhada num mundo que já é radicalmente diferente; e, no mesmo passo, se retraem quando vivemos o agora mantendo em si os aspectos mais íntimos e importantes dos gregos.
Se, na estrofe anterior, há uma crítica à estagnação e à inércia, a quinta estrofe é uma espécie de exaltação ao movimento. A dança expressiva, dionisíaca e contundente, que atesta com furor a existência e o prazer de estar vivo, é onde deve residir a maior de nossas fascinações com a cultura helênica: o que achávamos longínquo se torna palpável, e, assim, podemos louvar, sem pesares, Dionísio, deus do vinho; as Moiras, as senhoras do destino; e mesmo as sinistras sombras que nos espreitam. A estrofe seguinte resgata personagens e imagens representativas do filme, enquanto mescla-as com a lenda de Ulisses, já introduzida anteriormente na lógica do poema. Nos primeiros versos, refere-se a viúva do vilarejo, resistente aos homens que a desejam, mas afetiva com Basil, que, por sua vez, “hesita em possuí-la”. Posteriormente, Zorba é comparado a um imponente centauro que aconselha o escritor nos rumos da sexualidade, evocando a figura de Circe, a feiticeira da Odisseia, que transforma em porcos seus amantes, “mas em homens aqueles que a violam”. A personagem de Madame Hortense, a ex-prostituta disputada por quatro almirantes de diferentes impérios, que possuíam interesse em Creta, é introduzida e a sua morte inglória e sem sepultamento é referenciada. O poeta, por fim, vê a beleza dos gregos manifestada nos homens reais, de carne e osso, com seus dilemas, frustrações, contradições, inseguranças e medos; que vivenciam o caos, o horror, a brutalidade e a dificuldade da vida, mas que, ainda assim, a agarram firmemente, desfrutando-a em sua totalidade. A Grécia é composta de humanos, genuínos e carnais, e não de deuses, semideuses e arquétipos inalcançáveis.
Conclusão
A poética seniana, neste caso em diálogo com duas grandes obras cinematográficas, desnuda o real da opressão salazarista e da exploração do mundo das mercadorias de forma a constranger, envergonhar e aviltar aqueles que prefeririam se comedir e se abster impunemente das misérias deste mundo: forja uma ética da alteridade e da solidariedade que irrompe do conhecimento de que o ser da consciência implica outro ser que não ele próprio. Isto é, um comprometimento e responsabilidade genérica, compartilhada e terminantemente coletiva enquanto pressuposto indispensável, enquanto pedra de toque da liberdade. Se há um inferno e nele estamos, este é resultado de nossas escolhas e de nossas omissões. Contudo, é somente da consciência dessa umbilical e transversal responsabilidade que nos constitui que podemos, coletivamente, vislumbrar as frestas de um mundo liberado, redimido. Jorge de Sena é incapaz de imaginar um ser humano estático, parado e inerte, que se acomoda num mundo em ruínas e não age para transformá-lo. O humano de Sena não é este, mas sim aquele que abraça a vida e sua potencialidade, que traduz a existência humana numa impetuosa dança, que mantém os olhos sempre cerrados e direcionados para o horizonte na espera de um navio de aço triunfante que leva consigo a esperança de um mundo diferente. Jorge de Sena é aquele que problematiza e historiciza a humanidade, se inspira no cinema e, na poesia, cria uma solerte amálgama dos sentimentos de si e de sua época, legando para nós — por assim dizer, os herdeiros da dor e da fratura — o indelével compromisso de lutar conscientemente por tempos menos obscuros e opressivos. Só isto já atestaria o valor de sua obra. E de seu autor, cuja ausência ainda se faz presente.
NOTAS
* João Gabriel Ribeiro Passos é graduando em Letras – Português pelo Instituto de Ciências Humanas e Sociais
(ICHS) da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Atualmente em mobilidade acadêmica na Faculdade
de Letras da Universidade do Porto (FLUP). É técnico em Metalurgia pelo Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia de Minas Gerais (IFMG) campus Ouro Preto. Desenvolve projetos de pesquisa focalizados
em literatura, poesia, cinema, política, intermedialidade e história.
** Rodrigo Corrêa Martins Machado é professor adjunto do Departamento de Letras da Universidade Federal de
Ouro Preto (UFOP). Graduado em Letras – Português e Literaturas de Língua Portuguesa pela Universidade
Federal de Viçosa (UFV), mestre em Letras por essa mesma instituição, doutor em Estudos de Literatura pela
Universidade Federal Fluminense (UFF). Possui pós-doutorado em Linguística Aplicada pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Os seus interesses de pesquisa se focalizam nas relações entre literatura
e cultura, literatura e decolonialidade, ensinos de literaturas, literaturas de língua portuguesa, literatura
LGBTQIA+.
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